Populações tradicionais do Vale do Taquari impactadas pela contaminação hídrica no Rio Grande do Sul receberam mais de 3.500 filtros de nanotecnologia. Soma de esforços do Projeto Saúde e Alegria, Greenpeace, Water Is Life e 342 Artes enfrentou diversos desafios logísticos e operacionais. Entenda;
Uma grande operação logística reuniu esforços e articulações de Organizações Não Governamentais, Ministérios, Secretarias, Funai, Receita, moradores e autoridades públicas para fazer chegar mais de três mil e quinhentos a famílias atingidas pela grande enchente do Rio Grande do Sul desde abril deste ano.
A tecnologia, uma solução de água potável através de filtros de membrana foi testada na Amazônia pelo Projeto Saúde e Alegria em uma parceria com a Water Is Life, e já está ajudando na prevenção de doenças transmitidas pela água, melhorando a qualidade de vida das pessoas afetadas pelas enchentes no Sul.
“Tivemos problemas de diarreia e febre. E daí deu esse problema de disenteria em quase 60% da comunidade, levando todos a irem para o hospital tomar soro. Com os canudos, vai ajudar nosso povo a ter um pouco mais de melhorias” – Roque Ferreira de Campos – vice-cacique da aldeia Caingangue Tutu Borboleta de Salto do Jacuí, interior Rio Grande do Sul.
A distribuição chegou por meio da expedição articulada coletivamente entre diversos parceiros e chegou no último fim de semana a aldeia Vale do Taquari, atendendo famílias mapeadas em maior vulnerabilidade hídrica.
Na aldeia Kaingang, Júlio Borges, no interior do No Salto Jacuí, Rio Grande do Sul, cerca de 51 famílias estão enfrentando problemas de saúde, especialmente diarreia em crianças e adultos. O canudo chegou em boa hora, explicou o técnico do Greenpeace aos moradores, ao explicar a multifuncionalidade da tecnologia que na ponta, atua como pré-filtro, removendo partículas maiores, como terra e outros materiais particulados presentes na água. No interior do canudo, uma trama de zinco e cobre cria um choque elétrico quando a água passa, eliminando vírus e bactérias com eficácia de 99,9% e com o carvão ativado, um dos filtros mais antigos conhecidos, purifica a água e filtra materiais pesados, garantindo que a comunidade tenha acesso a água mais segura e saudável.
“Essa comunidade, quando a gente perguntou, relataram que muitas pessoas estavam sofrendo com diarreia, inclusive tendo que ser hospitalizadas, porque não conseguiam, por exemplo, resolver com soro caseiro ou com a medicina tradicional deles. Por isso, a gente está entregando esses canudos para que eles possam ter uma opção de água que seja potável e que não vá trazer nenhum risco à saúde deles, causando doenças nessas pessoas”, destacou Romulo.
Com a enchente, a contaminação por ingestão de água contaminada afetou populações indígenas, urbanas e rurais. Cláudia Pereira, moradora de uma das aldeias beneficiadas, contou que toda a família foi atingida. “Porque nós ficamos bastante dias sem água e quando vem, vem bastante suja. A minha filha tá com diarreia, vômito, bastante dor de barriga. A água tá uma situação bem crítica, né? Daí causou dor de barriga, vômito, diarreia na metade da população indígena dentro da aldeia”.
Josssimara, também da comunidade Borboleta, destacou que também perderam parte do roçado com a falta de água. “Afetou na área da alimentação, na área da agricultura que nós plantamos na terra para a sustentabilidade das famílias. Também estamos com muitas crianças com diarreia e vômitos”.
Replicação da Amazônia para o Rio Grande do Sul
Testados no norte do país, os filtros de membrana como soluções estão ajudando as populações do Sul. Uma iniciativa testada pelo Projeto Saúde e Alegria em uma parceria com a Water Is Life que já beneficiou centenas de amazônidas.
Na região, essa parceria viabilizou 835 tecnologias para o tratamento de águas contaminadas, beneficiando mais de 16 mil ribeirinhos de comunidades do rio Arapiuns, das várzeas barrentas do Amazonas, e também aldeias Munduruku e Kayapó do médio e alto Tapajós impactadas pelas águas contaminadas garimpos ilegais.
“Os filtros usam uma micro-membrana para reter 99,99% das impurezas da água, são portáteis e de fácil manutenção. Em parceria com a Water Is Life, implantamos nas comunidades das várzeas barrentas do Amazonas e em aldeias impactadas pelos garimpos, com bons resultados. E com as cheias no RS, numa soma de esforços com o Greenpeace, já distribuímos mais de 3,5 mil filtros canudos e 350 filtros de balde pras vítimas das enchentes. Sabemos que não resolve tudo, mas esperamos que atenue um pouco o sofrimento dessas famílias”, comentou o coordenador do Projeto Saúde e Alegria, Caetano Scannavino.
Os filtros representam uma solução prática, eficaz e de baixo custo para tratar a água contaminada, fortalecendo o princípio de dignidade. A coordenadora do Programa de Infraestrutura Comunitária do PSA, Jussara Salgado, explica que diferentes tecnologias estão sendo distribuídas, conforme as necessidades de cada território mapeado: Filtros-balde de nanotecnologia; Filtros de uso comunitário e Mochilas filtradoras. “Os filtros são compostos de nanotecnologia, micromembranas que fazem a retenção de 99,9% das impurezas, tornando a água potável, própria para consumo, melhorando a qualidade de vida da população, e diminuindo os índices de doenças de veiculação hídrica”.
Corrida contra o relógio: liberação da carga em tempo hábil
Em meio às urgências das famílias afetadas pela crise hídrica do RS, os filtros ficaram cerca de um mês em processo administrativo em alfândegas da receita federal. Procedimentos administrativos de praxe, porém, minutos preciosos para quem adoece sem o tratamento das águas.
Para agilizar o processo, as organizações envolvidas iniciaram, para além da articulação jurídica, uma série de articulações com ministérios, a exemplo da Ministra Meio Ambiente, Marina Silva e do Ministro-Chefe da Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta, da presidenta da FUNAI, Joenia Wapichana, da secretária SEDUC/RS Raquel Teixeira, fundamentais para dar agilidade nas liberações da carga.
“Fica nossa gratidão aos parceiros, ao apoio inicial do 342 Artes, a assessoria da SBSA, a atenção dos ministros Pimenta e Marina Silva, da FUNAI e a agilidade da Receita e tod@s que tem nos ajudado a ajudar”, ressaltou Scannavino.
Distribuídas para o Rio Grande do Sul, a ideia é que a tecnologia inspire o governo a implementar e replicar o uso em larga escala para regiões necessitadas: “Perder o acesso à água potável, elemento fundamental e direito garantido na Constituição, é o mesmo que perder o direito à vida. A tragédia no Rio Grande do Sul levou casas, pessoas, a memória e a liberdade de centenas de milhares de gaúchos, mas para quem segue resistindo a essa situação extrema, nós queremos que a vida ainda seja uma escolha possível. E foi por esse motivo que além de levarmos alimentos e medicamentos, nos unimos ao Saúde e Alegria para compartilhar essa tecnologia e garantir também o acesso à água potável”, afirma Carolina Pasquali, diretora executiva do Greenpeace Brasil.