Carregar água do rio em baldes e carotes era tarefa diária de Silvanei Rodrigues Correia e seus cinco irmãos, na comunidade ribeirinha Bom Futuro, localizada na margem direita do Rio Arapiuns, hoje Projeto de Assentamento Agroextrativista Lago Grande (PAE Lago Grande). Faltou água, tinha que buscar. Essa era a rotina de praticamente todas as famílias das comunidades da região.
“Com ou sem vontade nós obedecíamos os pais e tínhamos os horários pra buscar água”, lembra Silvanei, hoje com 42 anos. A água era utilizada apenas na cozinha, ele explica. “Banho, lavagem de roupas e demais atividades aconteciam no rio mesmo”. Na infância de Silvanei, praticamente nenhuma comunidade das margens do Arapiuns tinha água encanada. O benefício chegou há pouco tempo nas comunidades, em grande parte, devido a instalação de microssistemas de abastecimento de água levados pelo Projeto Saúde e Alegria (PSA).
Silvanei lembra que ainda vivia na Bom Futuro e trabalhava na roça com seus pais quando ouviu falar do PSA pela primeira vez. Na época, o projeto atuava na comunidade São Francisco, próxima à sua. Eventualmente, em 2001, o projeto começou a realizar ações como a distribuição de pedras sanitárias e filtros na comunidade de Silvanei. Foi seu primeiro contato com a organização. A água encanada em Bom Futuro chegou apenas em 2007.
Anos depois, Silvanei é hoje um dos responsáveis pela instalação dos microssistemas nas comunidades do baixo Tapajós, área de atuação do PSA. Silvanei conhece bem os territórios da região. Na sua adolescência e juventude ele passou por capacitações promovidas pela igreja católica e pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Santarém e participou diretamente da luta pela criação do PAE Lago Grande.
“Os jovens eram mandados para mobilizar as comunidades. Eu participava de assembléias e reuniões”. Silvanei se tornou parte da diretoria do PAE e chegou a fundar a sigla da Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande, a FEAGLE. Ele se mudou para Santarém e participou de uma série de formações políticas e sindicais, aprendeu sobre cooperativismo e associativismo e voltou à sua comunidade onde passou a coordenar o movimento de juventude da região do Arapiuns.
Durante sua atuação política, Silvanei estreitou suas relações com o trabalho do PSA e, eventualmente, passou a trabalhar na própria organização. Já são 15 anos completados no projeto, dos quais Silvanei ocupou diversos cargos, atuando desde em áreas logísticas e técnicas até como radialista na Rádio Mocoronga, da rede de comunicação popular do projeto. Há apenas dois anos, após cursos na área, ele ocupa o cargo de técnico de saneamento básico.
O cargo, para Silvanei, sempre foi um sonho. “É uma atividade concreta e um dos projetos mais importantes para uma comunidade”, explica. “Levar saneamento básico, água, é uma das atividades mais impactantes do PSA. Sempre sonhei em receber o convite para atuar com isso, então é um desejo realizado”, confessa.
O papel da água potável, encanada e tratada na vida de uma família é “grandioso”, afirma Silvanei. “Água tratada é prevenção. Diminui doenças e facilita o trabalho das donas de casa”. O técnico explica que como a maior parte do trabalho relacionado à alimentação e cuidados com a casa e com as crianças ainda recai sobre as mulheres, e como as casas costumam ficar longe das beiras do rio e dos igarapés, o saneamento “liberta as mulheres e muda a vida de uma família”.
Silvanei já beneficiou seis comunidades com a implementação de microssistemas de saneamento básico e energia renovável desde que começou a trabalhar na área. Algumas delas não tinham nenhum sistema de abastecimento de água e outras tinham sistemas “capengas” que não atendiam todas as famílias. “Poço raso, atendimento ruim”, explica. Ele trabalha principalmente com a mobilização de comunitários e orientação técnica.
Ao longo dos dois últimos anos, Silvanei enxergou resultados muito positivos nas comunidades beneficiadas pelos microssistemas. “Quando a água chega nas torneiras vemos cenas emocionantes de alegria”, conta. “São comunidades que lutaram tanto para que o poder público implantasse o saneamento e aí por meio de puxirum a água chega nas pias, nos banheiros. Sou grato por ter vivido essas histórias bonitas”, completa.
O técnico sabe que cabe às prefeituras a implementação de saneamento básico, mas acredita que o trabalho coletivo realizado pelo PSA, envolvendo o terceiro setor e as comunidades, acelera esse processo. “Estamos dando uma contribuição mas a responsabilidade deveria ser do poder público. Implantar um sistema de abastecimento de água é caro e as prefeituras deveriam ter políticas mais sérias de captação de recursos para isso e estar mais próximas de instituições como o PSA para trabalhar em conjunto”, avalia.
Para Silvanei, a garantia do direito do saneamento básico deveria andar lado a lado com a manutenção do modo de vida tradicional das famílias nos territórios. “Existe a necessidade da água encanada, mas isso não impede um bom banho em igarapés preservados. A gente trabalha para o morador permanecer em sua comunidade, sem que ela se torne urbana, mas tendo acesso a esses direitos”, afirma. A forma como o saneamento é implementado, segundo Silvanei, depende completamente do trabalho comunitário, da vida coletiva já própria de cada comunidade, para que haja a manutenção dos microssistemas.
Hoje, Silvanei sonha em voltar a atuar com política nos movimentos sociais da região, voltando a atuar no STTR, dessa vez como diretor. “Foi de lá que eu saí, então sempre falo que quero seguir atuando na minha categoria, como trabalhador rural e voltar para a comunidade. Sempre na linha de lutar por melhorias e direitos”.