Uma das principais lembranças que Fábio Pena tem da sua juventude na comunidade Carariacá, na região do Arapixuna, parte do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande, é de escutar rádio com seu avô, Raimundo Pena. Importante liderança local, Raimundo “praticamente obrigava” o neto a prestar atenção nas notícias políticas do programa A Voz do Brasil. Mas na época, Fábio gostava mesmo era de ouvir as músicas que tocavam na Rádio Rural e a voz dos locutores, de quem era fã de carteirinha.
O gosto pelo rádio foi crescendo em Fábio, mas ele mal sabia, na época, que trabalharia com comunicação. Na sua infância de “moleque do sítio”, ele brincava até tarde no rio e levava puxões de orelha da família. Foi então que o Projeto Saúde e Alegria (PSA) chegou na região, com o foco na atenção da saúde principalmente das crianças, que na época morriam muito cedo por consumo impróprio de água. Com os aprendizados que tirava do projeto, Fábio inverteu as broncas, e passou a puxar a orelha dos próprios pais, agricultores, cobrando o uso do cloro na água de consumo e outras estratégias de prevenção.
Fábio se tornou parte do programa de monitores mirins do PSA, responsáveis por garantir a eficácia das campanhas, insistindo nos cuidados domésticos. Depois do aprendizado, Fábio e os amigos se divertiam no Circo Mocorongo, atividade montada pelo PSA para concretizar os ensinamentos por meio do lúdico, com apresentações de músicas e poesias.
“A metodologia no projeto era de envolvimento de toda a comunidade. Adultos, crianças, igrejas, clubes de futebol. A abordagem era muito alegre, sempre tinham atividades com as crianças”, conta.
Em um vídeo do arquivo do PSA da época, Fábio aparece, com cerca de 10 anos de idade, se apresentando com sua bandinha de lata, a Banda Zulai. Eles fabricaram, pintaram os instrumentos de azul, e se apresentaram à noite no circo. “Eu queria me mostrar mesmo. A infância nas comunidades é sempre inventiva, a gente fantasiava muito, era muito criativo”, lembra.
Olhando as equipes que registravam as atividades, a curiosidade de Fábio e de outros jovens pela comunicação se aguçou. “O pessoal documentava o trabalho e aquela galera curiosa queria entender como se filmava, gravava”, explica. Depois de passar alguns anos em Porto Velho com a família, Fábio voltou já adolescente para a sua comunidade e começou a fazer parte da recém criada Rede Mocoronga, braço de comunicação popular do PSA. Já adolescente, ele se integrou às oficinas.
“Foi um período muito animado, a gente fazia fanzines, fotonovelas, cartas faladas. Reunia as melhores produções que a gente fazia em vídeo em uma fita K7 e enviava para outras comunidades, que iam gravando em cima e montando uma programação”, conta. “A gente mandava notícias, músicas, cultura, recados, até mesmo correios sentimentais”. Fábio lembra de esperar com os colegas, na beira do rio, a chegada dos kits de equipamentos de som.
Desde então, o Saúde e Alegria permeia toda a vida de Fábio. O gosto pela educomunicação o levou a estudar pedagogia e se especializar em jornalismo científico. Morando na área urbana de Santarém, ele nunca perdeu o vínculo com a organização. “Procurei saber onde ficava a sede e vinha sempre participar das atividades. Acabei me entrosando com a equipe”. Na época, Fábio despontava como uma liderança entre os jovens e ajudou a organizar outros coletivos e grupos para debater projetos. Trabalhou também em um projeto da Rádio Rural de Santarém com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), mas nunca deixou de voluntariar no PSA.
Eventualmente, Fábio foi contratado como técnico no projeto, tendo uma atuação forte com as redes de juventude e cidadania da região. Crescendo dentro da organização, ele se tornou líder da Rede Mocoronga e de projetos como a Teia Cabocla, que visa apoiar propostas desenvolvidas por lideranças jovens.
Atualmente, Fábio coordena toda a área de comunicação e educação do PSA. “De alguma forma, hoje eu estou atuando exatamente na área em que eu mesmo fui beneficiado”, avalia. Hoje, a alegria de Fábio está em estender as mesmas possibilidades que teve para outros jovens. “Na realidade das comunidades ainda faltam muitas oportunidades para o desenvolvimento de capacidades e potenciais. Muitas vezes falta apenas aquela chance para as pessoas crescerem e avançarem nos estudos e nas profissões”, reflete.
Em um dos encontros recentes com jovens nas Teias Caboclas, ao incentivá-los a pensarem em seus futuros, Fábio ouviu um menino comunitário dizer que queria ser que nem ele. “Eu falei, puxa vida, pensa melhor aí”, brinca. “Mas é legal porque você vê que quando há oportunidades, as pessoas podem se referenciar em outras. No nosso país o que mais temos agora, infelizmente, é a falta de referências”, aponta.
Mas Fábio enfatiza que não é a única referência oferecida pelo PSA para a juventude. “O Saúde e Alegria conseguiu, nesses mais de 30 anos, apoiar e formar uma geração de pessoas que hoje estão espalhadas por aí e são lideranças comunitárias, de empresas, presidentes de associações e de organizações grandes, de sindicatos e de vários outros espaços de participação e cidadania na região”.
Para o comunicador, essas pessoas e suas histórias são o principal legado do Saúde e Alegria.”Claro que os resultados do projeto são imensuráveis, mas a gente tem muitos exemplos de como esse trabalho foi importante para formar gerações que entendam que têm direitos. Que tem uma compreensão de si e da importância do lugar onde vivem, da Amazônia, para o mundo”.
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Vídeo: Priscila Tapajoara
Reportagem: Júlia Dolce
Trilha sonora: Cristina Caetano
Coordenação editorial: Priscila Cotta e Samela Bonfim
Coordenação geral: Fabio Pena