Isoladas pela seca severa, comunidades da Várzea do Amazonas recebem filtros de nanotecnologia para tratar água

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Nesta ação, foram beneficiadas quatro comunidades da Várzea do rio Amazonas, em uma soma de esforços do Projeto Saúde e Alegria, Brigada de Alter e Fundação Iturri 

Na última quarta-feira (02), quarenta famílias das localidades do Jari do Socorro, Alto Jari, Pau Mulato e Imumum foram contempladas com filtros de nanotecnologia, que acoplados a baldes, transformam a água barrenta em potável.

A ação é parte da campanha do Projeto Saúde e Alegria (PSA) em parceria com organizações e movimentos sociais do Baixo Amazonas, no apoio aos povos ribeirinhos, indígenas, quilombolas e extrativistas em meio a mais uma estiagem recorde que atinge a região.

Temos como meta a distribuição de 5 mil filtros até o final deste e início do próximo ano, quando eles seguem sendo fundamentais com a chegada das chuvas e a subida das águas com os dejetos que estavam em terra. É a época dos surtos de diarreias, acometendo sobretudo as crianças”, explica Carlos Dombrosky, técnico de organização comunitária do PSA.

A campanha está priorizando as zonas mais críticas, como a margem esquerda do Tapajós e seus afluentes menores, também as áreas acima do médio Arapiuns, localidades que ficam em lagos e braços de rio que acabam secando, regiões impactadas pelos garimpos, e as várzeas do Amazonas com suas águas barrentas, como essas que estão recebendo os filtros. “Na Vila de Alter do Chão, por exemplo, margem direita do Tapajós, a situação é menos complicada, o turismo continua, praias e cenas paradisíacas não faltam pros visitantes. Mas nessas outras zonas, a vida está puxada, tem muitas comunidades isoladas, muitas dificuldades pro deslocamento, transporte escolar, serviços básicos de saúde, chegada e saída de materiais”, complementa Dombrosky.

Comunidade de Parauá, margem esquerda do Tapajós, sempre mais crítica nas estiagens.

Natal Caetano, agente de saúde da comunidade de Parauá, desabafa: “A gente tem a expectativa que esse ano ela seja a maior seca de todos os tempos. A Enseada do Amorim, Cabeceira, Pajurá, Limãotuba, todas essas comunidades já estão isoladas aqui. A principal entrada dos barcos agora não entra nem canoa. Uma pessoa quando adoece e precisa ser removida, por água é muito difícil. Ela pode vir ao óbito na viagem. E vai piorar, com o rio que seguirá baixando. Ainda tem outubro e novembro, que costuma ser vazante”.

Secas e cheias fazem parte do ciclo anual amazônico. O problema é que fenômenos extremos estão cada vez mais frequentes, sejam excesso ou falta de água muito além do padrão. “O que acontecia de 50 em 50 anos agora parece ser o novo normal. O Tapajós agora está mais de 1 metro abaixo do que estava no mesmo dia ano passado, quando tivemos a pior seca da história. É recorde sobre recorde. Triste ver que os que menos contribuíram para essa situação são os que mais sofrem. Não é fácil explicar para sociedade brasileira que o ribeirinho passa por estresse hídrico na maior bacia de água doce do mundo. Mas é a realidade, a sede na Amazônia. O país parou com as enchentes no Sul, seria importante a mesma atenção e mobilização pelo Norte”, lamenta Caetano Scannavino, coordenador geral do PSA.

A alimentação também foi duramente impactada. Quem pescava para consumo e comercialização se viu obrigado a parar a atividade: “Eu vivia da pesca. Mas hoje em dia não estou fazendo nada porque não tem como a gente pescar. Está muito difícil. O rio secou, como você já viu ali na frente”, relatou Francisco Bezerra, da comunidade de Jari do Socorro. Em 36 anos, ele nunca viu estiagem tão severa: “Eu acredito que daí pra frente, esse negócio dessa seca vai ser grande né. Porque a gente vê que o igarapé está aterrando. Então isso daí, vai continuar desse jeito com certeza. E aí quem sofre aqui somos nós por causa que a gente fica abandonado e isolado, porque a gente não tem um posto de saúde e fica a seis horas da escola”.

Os canais navegáveis estão ficando cada dia mais distantes das moradias das comunidades. “Aqui a água pra gente tomar banho e lavar, fazer as coisas, a gente ainda usa aqui do canal, mesmo muito barrenta. Fica muito longe pra puxar pro outro lado, em média mais de quilômetro”, relata Edeval Santos, morador de Jari do Socorro. As famílias que têm uma condição financeira melhor estão comprando água na cidade, se submetendo a uma logística complexa de carregamento de galões.

Atender essas comunidades também é um grande desafio logístico. Para entrega dos filtros, o barco do Saúde e Alegria conseguiu chegar só até um ponto do rio, de lá as equipes seguiram por lanchas, depois embarcações menores, para então continuar o carregamento a pé.

Os filtros de nanotecnologia

Com a estiagem, as águas concentradas ficam ainda mais barrentas. Mesmo nesses pequenos filetes, os filtros de nanotecnologia conseguem operar. “O ideal são projetos estruturais, como os sistemas fotovoltaicos e autogeridos de abastecimento de água encanada que também seguimos implantando. Mas na falta deles, numa situação de emergência, esses filtros podem reduzir o sofrimento das famílias ao melhorar a potabilização dessas águas através de 1 micromembrana que retém 99,99% das impurezas”, explica a coordenadora de Infraestrutura comunitária do PSA, Jussara Salgado.

Com vazão de 1 litro por minuto, atendem 1 família por 2 a 5 anos, são de fácil manutenção através da retro-lavagem, e podem ser acoplados em garrafas pet, baldes, mochilas-tanque ou qualquer outro reservatório. “É uma solução de baixo-custo, que traz resultados imediatos, reduzindo as doenças de veiculação hídrica e diarreias, maior causa da mortalidade infantil. E se pagam ao diminuir gastos de saúde com doenças evitáveis”, complementa Jussara.

Os filtros não são novidade na região. O Projeto Saúde e Alegria vem trabalhando há mais de dois anos com eles, principalmente nessas regiões de várzeas e também nas aldeias indígenas Munduruku impactadas por garimpos. “Temos trabalhado com vários parceiros em suas diferentes expertises e aplicações”, explica Caetano Scannavino. Além dos sistemas acoplados a baldes (da Water Is Life e Iturrri), tem também os que usam mochilas para facilitar o transporte (Água-Camelo), os canudos filtrantes (foram entregues 5 mil unidades durante as enchentes no RS), e ainda os de uso coletivo (Sanofi/Agua Segura-Cause), de maior porte, que têm sido distribuídos nas escolas.

Através de uma rede de articulações, entre 2023 e 2024 foram distribuídos 1.805 filtros para mais de 3.100 famílias, beneficiando cerca de 16 mil pessoas, tendo como co-implementadores as organizações locais e de base, como as Colônias de Pescadores Z-20, Amador e Aruena, os Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do municípios, a Tapajoara na Resex Tapajos-Arapiuns, o CITA (Conselho Indígena do Tapajós), as Associações Indígenas Munduruku Pariri (Médio Tapajós) e Wakoborun (Alto Tapajós), também ONGs parceiras como a Sapopema e Brigada de Alter, entre outras.

Para a Brigada de Alter do Chão, que recebeu 250 filtros da Iturri e solicitou apoio do PSA na distribuição, a parceria entre as organizações é fundamental para ajudar quem está sofrendo com a estiagem. “Esse ano, a gente mais uma vez está se deparando com uma seca extrema aqui na região do Baixo Tapajós, e faltando o acesso à água às comunidades, assim como alimentação que também fica muito difícil a logística levar pras comunidades. Então pra gente é muito importante essa união de esforços, esse trabalho integrado”, contou o coordenador geral da Brigada, João Romano.

Essa expedição foi acompanhada também por Dariane Souza, representando o UNICEF, aliado do PSA em programas de saneamento rural: “A gente está tentando de todas as formas sensibilizar não só os nossos parceiros, como também os nossos doadores pra ajudar nessa emergência aqui”.

Uma outra parceira da campanha é a ONG DoeBem, que se sensibilizou com a causa e está ajudando a arrecadar recursos para aquisição de mais filtros: “Doando R$ 17, você promove 1 ano de água potável para 1 pessoa. Com o valor de R$ 85, promove 1 ano de água potável para 1 família. Pode doar também R$ 213 e permitir a entregas de 1 filtro portátil para 1 família. O valor de R$ 1,5 mil ajuda a evitar a perda de 1 ano de vida saudável devido a morte prematura ou incapacidade provocada pela insegurança hídrica.

AJUDE AQUI

Os desafios sanitários na Amazônia são gigantescos. Sem alianças, pouco se faz. Temos visto resultados maiores quando nossos tomadores de decisões são mais proativos por parcerias”, afirma Caetano Scannavino. “É importante dizer que não há pretensão alguma de substituir o estado, quem de fato tem a responsabilidade pelas medidas de acesso à água. Mas é preciso mais governo nessas áreas. Como sociedade civil, a gente tenta ajudar, mas a sensação é de enxugar gelo, e ainda sem água. É preciso uma atenção prioritária com medidas emergenciais dos governos para escalar essas soluções e tecnologias para um número muito maior de famílias. Qualquer iniciativa nesse sentido contará com nosso total apoio”, finaliza Scannavino.

Fotos: Cristian Arapiun e Pedro Alcântara/acervo Projeto Saúde e Alegria.

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