Oficina forma ‘mulheres eletricistas do sol’: “aprendi a medir tensão, corrente contínua e alternada”, destaca indígena

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Mulheres de dezesseis comunidades e aldeias da Resex Tapajós-Arapiuns concluíram curso promovido pelo Projeto Saúde e Alegria, e agora estão habilitadas para manutenção e reparos in loco dos sistemas fotovoltaicos instalados

No período de 04 a 08 de março de 2024, uma formação exclusiva para mulheres de cinco aldeias e onze comunidades da Resex Tapajós-Arapiuns, município de Santarém/PA, ensinou os fundamentos da eletricidade básica e energia solar fotovoltaica off grid às moradoras das aldeias São Pedro, Solimões, Americano, Vista Alegre, Akaywasú/São Miguel e comunidades Novo Progresso, Pedra Branca, Capixauã, Anã, Vila Franca, Carão, Anumã, Mangal, Retiro, Parauá e Surucuá.

Formação exclusiva para mulheres reuniu participantes de cinco aldeias e onze comunidades da Resex Tapajós-Arapiuns, Santarém/PA. Foto:Yuri Rodrigues/acervo Saúde e Alegria.

Sediado no Centro Experimental Floresta Ativa na comunidade Carão – unidade idealizada pela ONG para formações e capacitações, o curso reuniu conteúdo teórico e prático, possibilitando autonomia para manutenção dos sistemas já instalados em comunidades e independência financeira aplicando o conhecimento na implementação de novos sistemas.

Historicamente, o Projeto Saúde e Alegria (PSA) atua na eletrificação rural com soluções adaptadas ao contexto das comunidades ribeirinhas, com sistemas fotovoltaicos para escolas, unidades de saúde, polos de acesso à internet, bombeamento de água em áreas que não possuem acesso à rede. “Todo trabalho é feito para autogestão e autonomia comunitária. E os eletricistas do sol são parte disso, moradores e moradoras de aldeias e comunidades de áreas remotas, habilitados para serviços básicos de eletricidade, prevenção de acidentes, também a manutenção e reparos dos sistemas fotovoltaicos instalados. Assim, podem resolver in loco muitos dos problemas, evitando elefantes brancos com o abandono de equipamentos quebrados diante dos altos custos para trazer técnicos da cidade ou levar os equipamentos até lá, sem falar nos frequentes casos em que acabam sendo vítimas de enganação, ressaltou Caetano Scannavino, coordenador geral do PSA.

Essa é a sexta turma da Oficina Eletricistas do Sol e a primeira realizada somente para mulheres. As turmas anteriores foram marcadas pela participação majoritária de homens, pois apenas três mulheres participaram em 5 edições. Essa turma foi especialmente pensada para elas e construída por mulheres para as mulheres”, explicou a engenheira Jussara Salgado, coordenadora do Programa de Infraestrutura Comunitária do PSA.

No dia internacional da mulher, celebrado 8 de março, foi realizada conversa sobre lutas, direitos e espaços conquistados pelas mulheres. A facilitação foi promovida pela antropóloga e coordenadora adjunta do programa de Saúde do PSA, Luana Arantes.

Ao longo de 5 dias intensos, as participantes aprenderam sobre fundamentos da eletricidade básica e energia solar fotovoltaica off grid e apresentaram situações do seu dia a dia com o uso da energia solar, quando puderam tirar dúvidas. “O objetivo é que mais mulheres possam ocupar espaços nas formações e nas áreas técnicas em suas comunidades e aldeias”, destacou Ana Costa, técnica da equipe do Programa de Infraestrutura, que além da energia, envolve também o acesso à água, saneamento e internet.

Emocionada, a indígena Roseli Kumaruara, moradora da aldeia Solimões, avaliou o curso como uma oportunidade de provar a capacidade feminina em atividades historicamente praticadas por homens. “Estou me sentindo realizada por estar aqui. Somos mulheres e estamos quebrando um tabu”. Para a liderança, o aprendizado também vai fortalecer os laços comunitários: “É uma conquista esse curso e esse aprendizado, pois vamos levar informações para nossas aldeias e comunidades. Agora somos nós que vamos levar o conhecimento para os homens, o que pode e o que não pode”, pontua.

Sem a energia elétrica, comunidades que usam sistemas de energia solar ainda sofrem com a falta de manutenção nas tecnologias. Ione Gomes, da aldeia Vista Alegre, destaca que a partir do curso, já tem os conhecimentos para aplicar nas residências. “Pra nós, lá é uma dificuldade, mas com essa oficina estamos aprendendo. Nós sentimos orgulho de ter uma oficina que dá valor para as mulheres. Isso aqui é uma valorização com esse espaço”.

Com a aplicação das lições aprendidas na formação, Maria do Carmo da aldeia Capixauã, planeja ampliar a vida útil das baterias. Comenta que sai da oficina com a missão de multiplicar. “Levar para minha mãe e para as mulheres que ficaram na comunidade. Aprendi a medir tensão, corrente contínua e alternada que eu não sabia. O lado mais importante foi sobre as baterias que as pessoas fazem errado de comprar baterias, usar duas novas e uma usada e não funciona porque as usadas desgastam as novas”, explica.

A formação de agentes comunitários ‘Eletricistas do Sol’ conta com apoio da Fundação Mott, parceira do Projeto Saúde e Alegria. A oficial de Programa para a América da Sul da Fundação Mott, Daniela Gomes Pinto, destacou o fortalecimento dos territórios atendidos com os projetos de impacto socioambiental: “O apoio que a Fundação Mott vem dando para organizações da sociedade civil como o Saúde e Alegria para acesso de comunidades isoladas à energias renováveis, vem de uma intenção de garantir por meio desse acesso, que possam proteger seus modos de vida, ter mais qualidade de vida e possam ter mais instrumentos para proteção territorial com autonomia necessária”, conclui.

Eletricistas do sol na Amazônia 

A inserção de tecnologias renováveis que promovam o acesso à energia em comunidades isoladas é fundamental para o desenvolvimento socioeconômico e sustentável dessas regiões. Para que o processo ocorra de forma transversal e participativa, faz-se necessário envolver os comunitários em práticas educativas de formação técnica e de gestão, possibilitando uma melhor compreensão, uso e autonomia da tecnologia proposta. Essas práticas estão relacionadas ao modelo de gestão comunitária que o PSA adota em seus projetos, sensibilizando os principais atores envolvidos na intervenção (técnicos do PSA e comunitários) para perceberem-se enquanto coletivo, de modo a fortalecer o sentido participativo e para que assumam responsabilidades conjuntas durante a execução do projeto.

Com isso, os geradores a diesel vêm sendo substituídos por sistemas de energia solar off grid que são dimensionados para atender demandas de uso individual (residências) ou de uso coletivo (escolas, UBS, sistema de abastecimento de água, telecentros e unidades de processamento). Desde 2017, o PSA já instalou sistemas de energia solar off grid em 45 comunidades/aldeias, beneficiando diretamente mais de 4.000 famílias.

Para nós mulheres que normalmente estamos no dia a dia da casa, ter essa autonomia para mexer com nossos eletrodomésticos e sistemas de energia solar é importante. Nós temos sistemas isolados na comunidade e coletivos, fotovoltaicos do sistema de água e poder ter esse conhecimento, nós vamos poder fazer reparos e não precisa vir um profissional de fora” – Mariane Tupinambá, coordenadora da Ampravat – aldeia São Pedro Rio Tapajós.

A oficina eletricista do sol nasceu de uma iniciativa do PSA em promover capacitação técnica em energia solar para os beneficiários dos projetos. Isso permite que os comunitários adquiram conhecimento sobre a tecnologia para auxiliar em manutenções preventivas e desperte interesse de jovens e adultos para uma futura atividade profissional na área. A oficina é realizada de forma teórica e prática, abordando desde os fundamentos básicos de eletricidade até aplicações de sistemas off grid, já foram realizadas 5 edições do curso capacitando 125 pessoas.

Dificilmente a gente vê essa inclusão porque antes a gente só via para homens. Aqui existem mulheres muito fortes na comunidade. Isso vai me ajudar a fazer com que a minha comunidade cresça de forma sustentável” – Geovana, Parauá.

A Resex Tapajós Arapiuns é um dos territórios da Amazônia no qual a população vive sem acesso a energia da rede, estima-se que quase 1 milhão de amazônidas ainda convivam com essa realidade. Essas populações buscam por fontes alternativas de energia, geralmente a base da queima de combustíveis fósseis, como é o caso de grupos geradores que são utilizados de forma intermitente nas comunidades.

O PSA, juntamente com outras organizações, vem construindo com entes públicos um mapa do caminho para fazer chegar água, energia e internet a esses um milhão de amazônidas povos da floresta excluídos. São tecnologias de ponta na ponta, de baixo custo e alto impacto social, investimentos que se pagam com a viabilização da telemedicina, conservação de vacinas, informatização das escolas, abastecimento de água, processamento de produtos agroflorestais, entre outros benefícios para o bem-viver”, finaliza Caetano Scannavino.

Infraestruturas para comunidades da Amazônia inspiram novos modelos de tecnologias adaptadas para floresta. Fotos: acervo Saúde e Alegria.

Gran Circo Mocorongo: a magia do lúdico 

Durante os cinco dias de formação, as participantes que emergiram nos fundamentos de eletricidade básica e conceitos de energia solar off-grid, se empoderaram das tecnologias e participaram de dinâmicas promovidas pelo Programa de Educação, Cultura e Comunicação do PSA, EDUCOM.

Formação integra ações de arte-educação do PSA. Foto: Gerderson Oliveira/acervo Projeto Saúde e Alegria.

A arte-educadora Elis Lucien ressaltou a importância das ações de palhaçaria e arte circense para animar as mulheres e ativar o engajamento, “trouxe uma percepção muito bacana de estar envolvendo a teoria e o lúdico. Hoje nós estamos com uma equipe só de mulheres e possibilita muitos risos e desenvoltura”, comenta.

As interações e intervenções fazem parte da atuação da ONG e promovem quebra-gelo durante as formações. “Às vezes a gente chega muito retraído da nossa comunidade. Quando surge o lúdico, as brincadeiras, dinâmicas e o colorido, isso faz com que elas se sintam acolhidas e a vontade para que a gente possa trocar informações”, destaca.

Participantes da oficina discutiram ainda, temáticas relacionadas à resistência feminina e formação territorial. Foto: Yuri Rodrigues/acervo Saúde e Alegria.
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