Nove aldeias Munduruku do Médio Tapajós foram beneficiadas com água encanada e banheiros, investimentos essenciais para melhorar as condições sanitárias e o enfrentamento da Covid-19.
Em meio aos conflitos que afligem os Povos Munduruku e às águas contaminadas pelos garimpos, eis uma boa notícia: as aldeias Sawré Jauby, Datie Watpu, Boa fé, Sawré Muybu, Sawré Aboy, Dajé Kapap, Karo Muybu, Poxo Muybu e o PAE Montanha-Mangabal receberam oficialmente neste final de maio as tecnologias de abastecimento de água e saneamento. As entregas ocorreram entre os dias 25 e 26 com assinatura do termo que concede aos moradores o direito ao uso e gestão dos sistemas.
“Um projeto que veio na hora certa. É muito necessário dentro de uma comunidade porque não é justo qualquer pessoa tomar a água desse rio que está completamente poluído” – ressaltou o gestor do programa de água do Projeto Saúde e Alegria (PSA), Carlos Dombroski.
Cento e doze sistemas foram construídos em caráter emergencial e mobilizaram uma complexa logística com caminhões e balsas no transporte de materiais para construção de banheiros com fossas sanitárias para cada família, sistemas de bombeamento de água, de captação das chuvas, de distribuição através de redes hidráulicas até as casas, entre outras tecnologias sociais, como parte das metas do Programa Cisternas que vem sendo implementado na região pelo PSA.
Contou com as parcerias da ASPROC (Associação dos Produtores Rurais de Carauari), co-executora das obras, envolvendo também a FUNAI, o DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) do Rio Tapajós, e a Associação Pariri dos Povos Munduruku.
O processo de construção durou cerca de cinco meses, priorizando a mão de obra local através da contratação dos moradores das próprias aldeias, principalmente os jovens indígenas. Eles receberam capacitação técnica para executar os serviços e para manutenção dos sistemas. “Foi uma logística complexa, grande pra gente transportar da sede do município até as aldeias, ora por terra, ora por água, aí carrega, descarrega, carrega de novo”, contou o coordenador de obras da Asproc, Sidomar dos Santos. “Importante também a formação dessa rede de construtores indígenas, não só como oportunidade de aprendizado e trabalho, mas também para autogestão dessas tecnologias e eventuais reparos que venham a ser necessários. E conseguindo resolver lá mesmo, acaba dependendo menos do pessoal na cidade. Foi trabalhoso, mas a gente fica muito feliz em poder atender essa demanda muito importante para os Munduruku, que há muito tempo esperam por essa água tratada”, completou.
Alessandra Munduruku, vice-presidente da Associação Pariri, foi uma das lideranças que articulou através dos caciques a demanda das comunidades junto ao PSA. “É um projeto que nós fomos atrás, buscamos, pra trazer saúde para os indígenas ao deixar de consumir água suja, lama de garimpo. Vai beneficiar bastante as comunidades” – ressaltou ela.
O momento representa um importante avanço para a saúde dos moradores. Mas é impossível apagar da memória os rastros da contaminação do rio, explicou o Cacique Juarez, da Aldeia Sawre Muybu. Ele conta que desde a década de 80 vem presenciando a alteração da qualidade da água e que a atividade garimpeira contribui significativamente para a mudança da rotina dos indígenas: “De lá pra cá, a cor da água foi mudando. Ficou mais suja, e a gente também percebeu que não podia mais banhar no rio como antes porque dava aquela coceira no corpo por causa da água suja”.
Em meio à crise atual vivenciada pelos povos tradicionais, como as ameaças de garimpeiros em áreas de mineração ilegal, a entrega das tecnologias é um alento, comenta Juarez: “Melhorou muito pra gente, agora que não precisa mais carregar água de longe. Minha esposa, que já tem idade, não garantia mais lavar roupa na beira do rio. Quando ela vinha de lá chegava com dor no peito, nas costas”.
A transparência do líquido que chega até as torneiras impressionou os moradores, que há muito tempo não viam água nessa tonalidade. “A água está vindo bem limpa” – contou Maria do Socorro, que agora pode cozinhar e lavar a louça na cozinha de casa, sem precisar ir ao rio.
Jovens lideranças munduruku também comemoraram. Ter água encanada é uma novidade que veio para ficar para todos, crianças, jovens, adultos e idosos: “Foi uma melhora pra gente ter água em casa pra consumir. As futuras gerações vão ter esse privilégio de ficar com esse trabalho bem executado” – relatou Iranilson Munduruku.
“São obras sanitárias emergenciais para que tenham melhores condições de higiene não só para enfrentar o vírus, como também para contribuir com a saúde e bem-estar geral. A gente sabe que boa parte das doenças que afligem essas populações vêm da água contaminada, principalmente a mortalidade infantil decorrente das diarreias, desidratação. E no caso dos Munduruku, ainda tem o agravante de estarem em uma área de garimpos no entorno, o que aumenta ainda mais as ocorrências de veiculação hídrica. É um povo guerreiro, que precisa de todo apoio. E água é direito. A gente parabeniza lideranças como a Alessandra, os caciques, que nos ensinam a não desistir dos sonhos. Correram atrás e taí ele virando realidade.” – comemorou o coordenador do Projeto Saúde e Alegria, Caetano Scannavino.
ENERGIA SOLAR, ATENÇÃO PRIMÁRIA E ALTERNATIVAS ECONÔMICAS
Além dos sistemas de abastecimento de água e construção de banheiros, o PSA tem buscando implementar outras tecnologias para melhorar a vida das populações mundurukus. Um projeto de energia solar está em fase de análise para implantação: “Estamos agora fazendo o levantamento técnico para implementar sistemas fotovoltaicos para o bombeamento de água nas aldeias Sawré Jaybu, Sawré Muybu e Dace Watpu de modo a reduzir a necessidade do diesel e dar mais autonomia às aldeias. A instalação ocorrerá no mês de junho, e assim, além da energia limpa, vai gerar também uma economia no custeio das operações” – reforça Jussara Batista, do programa de Energias Renováveis do PSA.
O apoio aos Munduruku não pára aí. “Proteger o Território é também mobilizar parcerias pra melhorar as condições de vida nas aldeias. Os caciques têm se esforçado pra isso, sabem que o governo não dá conta, que as políticas sociais tem alcance insuficiente”, diz Caetano Scannavino. “Além do apoio que temos dado no combate à COVID-19 com kits de higiene/proteção, cestas básicas e materiais de pesca para segurança alimentar, estamos implantando também dois laboratórios de saúde em polos remotos do Alto Tapajós, que juntos atendem cerca de 9 mil indígenas. Aí será possível fazer exames de sangue, urina, fezes e outros, sem precisar sair das aldeias.
“As equipes de saúde indígena que fazem atenção de saúde para as aldeias Munduruku não contavam com suporte de laboratório próximo. Com essa iniciativa, terão métodos laboratoriais para acompanhar adequadamente os pacientes, não somente no combate à Covid-19 como também para qualificar a assistência às gestantes (sobretudo o pré-natal), aos idosos, aos hipertensos, no acompanhamento das diabetes, doenças endêmicas, urgências e emergências”, explica o Dr. Fábio Tozzi, coordenador-médico do PSA.
Para a enfermeira Cleidiane Carvalho, Coordenadora do DSEI Rio Tapajós, a parceria com o PSA tem representando um importante auxílio na proteção dos índios mundurukus: “Além das cestas básicas, materiais de limpeza, recebemos oxímetros, materiais de pesca, e o Saúde e Alegria tem sido um grande parceiro com o Dsei Rio Tapajós. A gente tem trabalhado em conjunto. O Dsei Rio Tapajós atende mais de 13.496 indígenas localizados em cinco municípios diferentes. Como nós sabemos, é um momento de crise, de dar as mãos e oferecer ajuda ao próximo. É o que tem acontecido por parte do Saúde e Alegria”. [Ouça a entrevista na íntegra aqui]
“Há ainda uma demanda vinda deles para articular as aldeias com as atividades de geração de renda que temos empreendido aqui na região do Baixo Tapajós, como meliponicultura, extração de óleos, e outras, importante porque aponta alternativas econômicas ao garimpo, mantém as águas limpas e a floresta em pé” – finalizou Caetano.