Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. É através do audiovisual que comunidades da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, em Santarém, oeste paraense, ganham as telas pelo mundo. Uma das responsáveis por contar as histórias das populações da floresta hoje cursa uma área fora do nicho da comunicação, mas nunca deixou de lado as produções comunitárias.
Raquel Kumaruara nasceu na comunidade Suruacá, às margens do Rio Tapajós, e hoje mora na área urbana de Santarém devido aos estudos no curso de engenharia de pesca. A comunicadora popular é uma das centenas de protagonistas na jornada que o Projeto Saúde e Alegria vem escrevendo ao longo de mais de três décadas de atuação na Amazônia, atendendo comunidades ribeirinhas, indígenas, quilombolas e tradicionais.
Ainda quando criança, Raquel sonhava em se formar em jornalismo para contar ao mundo as tradições, vivências e histórias do seu povo. A paixão pela comunicação começou durante os primeiros contatos com ações do PSA em Suruacá – comunidade pólo dentro da Resex. Esse fio condutor norteou as funções de comunicadora que hoje Raquel desenvolve, principalmente no Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns (CITA), que representa 13 povos originários do Baixo Tapajós.
Para a comunicadora, o Projeto Saúde e Alegria é peça fundamental no fortalecimento juvenil dentro das comunidades. “O PSA não deixa apenas bens de infraestrutura, ele deixa formação. O Saúde e Alegria abre perspectivas aos jovens e deixa formação dentro das comunidades, principalmente de empreendedorismo”, enfatiza.
As lembranças da infância ganham vida novamente a cada viagem que Raquel faz a Suruacá. Uma delas é a alegria e aprendizado proporcionados pelo Circo Mocorongo. Por muitos anos a comunicadora popular desenvolveu atividades dentro da atual rádio-poste Japiim de Suruacá, na locução, técnica de som e produção de notícias em parceria com a Rede Mocoronga. Toda a trajetória começou com a curiosidade em participar das atividades.
“O meu primeiro contato foi com uma câmera filmadora, com um telefone e até com um computador, foi com o Saúde e Alegria no telecentro de Suruacá, onde foram formados jovens que mais tarde voltaram professores de informática básica. A minha relação com o PSA vem desde criança. Eu já nasci com o projeto atuando dentro da comunidade e fui despertando meu interesse pelo audiovisual”, lembra.
A relação com o audiovisual aconteceu aos 12 anos durante a formação da Escola Nórdica da Suécia. As produções giravam em torno da própria comunidade mostrando o dia-a-dia dos moradores.
As parcerias entre o PSA e outras organizações possibilitaram o crescimento profissional e pessoal. A timidez que a comunicadora popular tinha na infância foi trabalhada durante um intercâmbio teatral na Bahia. “Foi a primeira vez que eu me apresentei em um palco de teatro, foi uma viagem muito boa. Toda essa experiência foi muito boa, fez com que a minha vontade de permanecer nesse caminho aumentasse”.
E tudo o que era aprendido fora da comunidade retornava como formação para outros jovens. Uma maneira de compartilhar experiências e saberes. “O PSA sempre trouxe essa importância da interação.Se hoje eu consigo falar em público foi nesses treinamentos que fiz”, conta.
Um dos projetos com mais representatividade e que mostram a dedicação em ajudar os jovens, segundo Kumaruara, foi o Beiradão de Oportunidades, ação que colabora no desenvolvimento e empreendedorismo juvenil comunitário. Raquel lembra que ficou em segundo lugar com um projeto de manejo de abelhas.
O sonho aos poucos vai se tornando realidade. Atualmente, as abelhas são criadas pelos pais em Suruacá enquanto a estudante de engenharia de pesca termina a formação acadêmica.
“Ainda não consegui montar toda a estrutura, e a minha vontade é que esse projeto cresça ainda mais porque é uma forma de gerar renda e mostrar aos outros jovens que não importa se ele está em uma aldeia do Rio Arapiuns ou do Rio Tapajós, o importante é que tenha essa base de gerar renda através da criação de abelhas, de peixes, e turismo de base comunitária”, diz, ao destacar que muitos jovens deixam as comunidades para morar nos grandes centros e acabam não aproveitando as possibilidades no próprio território.
Infraestrutura e desenvolvimento
Para Raquel são inúmeras as lembranças que mostram como o PSA contribui no desenvolvimento na Resex. Uma delas é relacionada ao abastecimento de água. Neta de mulheres que faziam os partos na comunidade e filha de pescadores, ela sempre ouviu e viu as famílias percorrerem longas distâncias para terem acesso ao básico: água, que à época não era potável.
As consequências eram vistas principalmente em crianças. “Quando me entendi já tinha água encanada em casa, eu não tive essa experiência de carregar água do rio, mas eu vi a realidade de famílias que carregavam água de um único poço dentro da comunidade. Nessa época tinha uma taxa muito grande de mortalidade infantil principalmente por diarréia e vômito. Teve mãe que perdeu filho, avó que perdeu neto ainda bebê. O PSA é responsável por essa mudança”, lembra.
Outro fator que levou ainda mais desenvolvimento a Suruacá foi a implantação do projeto de antena de telefonia móvel na comunidade, derrubando a barreira tecnológica e democratizando o acesso à comunicação. Devido à distância entre o centro de Santarém e a localidade no Rio Tapajós, se comunicar era uma tarefa complicada. “Em caso de acidentes, o comunitário piorava bastante pela falta de comunicação com a cidade. A antena mudou muito a nossa realidade e a realidade de outras comunidades próximas”, disse a comunicadora popular.
A democratização com o sinal móvel impactou também a educação. Há jovens que cursam faculdade à distância por terem acesso à internet nos celulares. As produções desenvolvidas em Suruacá também chegam mais rápido aos grandes centros.
“Eu sou muito grata a tudo que o Projeto Saúde e Alegria me proporcionou e proporciona a tantos outros jovens. Se pudesse voltar no tempo eu faria tudo de novo”, pontua.
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Essa é a terceira temporada da série ‘Eu sou Saúde e Alegria’ em comemoração aos 35 anos do Projeto Saúde e Alegria. Nesta jornada, são contadas histórias de vários amigos das comunidades em que o PSA atua, e que foram beneficiados com projetos de desenvolvimento socioeconômico, educação, comunicação e saúde.
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Captura e edição de vídeos e fotos: Priscila Tapajoara
Apresentação do podcast: @jessicakumaruara
Reportagem: @geovanebrit0
Mixagem: @raikpereira2019
Arte: @_vanessacampos
Coordenação editorial: @bonfimsamela
Coordenação Geral: @fabinhopena