Em fase de construção, web rádio e rádio comunitária contam com o apoio do projeto Conectando os Desconectados da Escola de Redes Comunitárias da Amazônia. Obras do espaço físico, compra de equipamentos, instalações de internet satelital e de sistema de energia solar foram possíveis graças à integração da APC, Rizhomática e Projeto Saúde e Alegria
Dois territórios, características geográficas distintas, seis alunos e um sonho: comunicar sua cultura, a partir do rádio. A aldeia Solimões (Resex Tapajós-Arapiuns) e Vila Brasil (Pae Lago Grande) têm em comum o desejo de fortalecer a identidade amazônica por meio da comunicação popular, propagada por eles para o entorno e para o mundo.
Através da iniciativa da Escola de Redes Comunitárias da Amazônia, os estudantes estão conseguindo realizar a materialização desse sonho coletivo. Em fase de construção das obras, as duas regiões estão edificando uma área para abrigar os equipamentos das rádios, o sistema de internet e de energia fotovoltaica.
No período de 27 a 28 de julho, o coordenador das Escolas Nacionais de Redes Comunitárias, Carlos Bacca, desembarcou em Santarém para conhecer as duas iniciativas. O mexicano que representa a Rizhomática se encantou com as belezas da região, com o envolvimento dos jovens e foi recepcionado com muita aventura nas agitadas águas do rio Tapajós. Ao visitar os alunos, destacou a satisfação em ver de perto o resultado dos projetos “Muito emocionante ver como depois do processo de formação de mais de dois anos, começa a materializar esses sonhos dos participantes”.
A rodada de visitas faz parte da jornada de acompanhamento do projeto que entrou na fase de consolidação dos projetos comunitários, elaborados pelos jovens e que recebem apoio para fortalecer as iniciativas propostas por eles. Adriane Gama, pesquisadora da Escola, destacou que essa é uma etapa importante e de conclusão. “É o momento de culminância desses projetos que estão se consolidando com os planos de trabalhos desenvolvidos durante esse processo da escola de Redes”.
Rádio Web Uxicará, Vila Brasil
Em 2021, quando foi idealizada pelo mentor Paulo Lima (in memoriam), a Escola de Redes Comunitárias da Amazônia tinha como um de seus princípios, integrar coletivos organizados para realizar sonhos comunitários para o território, onde partilhariam conhecimentos e o desejo de conquistar o direito ao uso da internet, acesso de tecnologias para participação social, participação em rádios comunitárias e processos formativos de comunicação.
Mais de dois anos após o início das atividades, a Escola chegou à fase de realização de sonhos coletivos. Um deles, o de jovens comunicadores do Projeto de Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande – PAE Lago Grande – que abriga 154 comunidades e 6.600 famílias indígenas e ribeirinhas, que trabalham com extrativismo e agricultura de base familiar. A articulação do grupo de comunicação independente aconteceu através dos Guardiões do Bem Viver – um coletivo formado por jovens das três áreas do assentamento – Arapiuns, Arapixuna e Lago Grande.
Os Guardiões atuam na mobilização dos moradores, representando um braço da Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (Feagle) – órgão máximo de representação das comunidades do PAE. Uma das ações do coletivo é a divulgação, nas redes sociais, do trabalho da Federação, além de denúncias do território sobre crimes ambientais.
Os jovens do coletivo utilizam uma rádio comunitária de baixa potência para comunicação entre as comunidades e as redes sociais para combater a desinformação. Para fortalecer esse trabalho, uma articulação entre o PSA, Ministério Público do Trabalho, Internews e APC resultou na doação de mesa, cadeiras de escritório, impressoras, notebook, aparelho celular e fones de ouvido. O kit de comunicação foi destinado à rádio comunitária Uxicará de Vila Brasil, “com objetivo de fortalecer a comunicação popular no território como ferramenta de luta e resistência”, comentaram os guardiões.
O espaço físico em fase de conclusão de obras, será usado pelos alunos da escola: Pedro Soares, Karina Matos e Jean Silva e a comunidade.
“A gente se sente muito grato de fazer parte da escola de redes. Essa rádio é uma vitória para o assentamento PAE Lago Grande, Vila Brasil e nós, coletivo Guardiões do Bem Viver, nos sentimos muito gratos por tudo o que já conquistou e vai conquistar para que essa Rádio Web possa mostrar nossa realidade, identidade e modo de vida que são da nossa região. Falar sobre o assentamento nos primeiros programas, como foi criado, importância da juventude em defesa do território e bem viver e trazer mais jovens na luta em defesa da floresta” – Jean Silva, estudante da Escola de Redes e guardião do Bem Viver.
O espaço será inaugurado após instalação da internet satelital e de sistema de energia solar, no dia 13 de agosto em uma grande festa comunitária. Sabrina Costa, pesquisadora da Escola, falou sobre o desafio logístico operacional para consolidação do plano de trabalho e da conquista que é chegar a esta etapa: “Além de fortalecer a comunicação, terão acesso à internet para toda a comunidade de Vila Brasil”.
Rádio Sapucaia, aldeia Solimões
Abrigada na sala de professores da Escola Nossa Senhora das Graças, a rádio Sapucaia foi ar na aldeia Solimões, localizada na Resex Tapajós-Arapiuns em 2022. Com o apoio do projeto Conectando os Desconectados implementado no Brasil pelo Saúde e Alegria e coordenado pela Associação para o Progresso das Comunicações, será construído um estúdio com acesso a internet e movido a energia solar.
“Sempre foi um sonho da aldeia. Agora estamos a poucos passos de conseguirmos isso. É uma forma de fortalecer a nossa cultura, a nossa identidade”, planeja Dailon Alves, indígena e professor na aldeia Solimões. Com a chegada dos materiais de construção, uma grande mobilização na aldeia marcou a consolidação de uma nova etapa para o povo kumaruara. A rádio comunitária que operava nas dependências da escola, terá um espaço completo e voltado para a produção de notícias da aldeia.
A rádio, equipada em 2022 pela Escola de Redes Comunitárias da Amazônia tem potência de 15 watts, sintoniza na 88.0 FM e atinge o raio de um quilômetro abrangendo as 55 famílias e 185 habitantes da aldeia. A primeira etapa desse sonho, foi a doação de mesa de som, dois microfones, cabos, fones de ouvido, suporte para microfone, caixa e retorno e transmissor FM 15 watts com antena e Oficina de Gestão e Rádio Comunitária.
Com o desembarque dos materiais, a previsão é que a construção inicie ainda neste final de julho e seja concluída até agosto, reunindo lideranças e moradores na obra. O espaço vai operar com energia solar e incluirá o acesso à internet de satélite, possibilitando a transmissão em tempo real. Os indígenas avaliam positivamente o impacto da rádio para o fortalecimento da cultura ancestral. A programação contemplará a participação democrática dos moradores, bem como processos educativos e de inclusão, destaca Dailon Alves: “A gente está no processo de revitalização da nossa língua materna. Queremos envolver todos, as nossas crianças, os anciãos. Incluir a língua nheengatu e notório saber. Dessa forma a gente consegue o nosso objetivo”.
O projeto “Conectando os Desconectados” promovido pelas organizações APC e Rhizomatica e executada no Brasil pelo Projeto Saúde e Alegria, tem como pilar de formação e treinamento a Escola de Redes Comunitárias da Amazônia, que busca conectar comunidades desconectadas por meio do desenvolvimento de modelos, capacidades e formas de sustentabilidade para populações com foco em assistência técnica, capacitação, assessoria para advocacy e mobilização comunitária.
“Estou muito feliz por ser uma aluna da Escola e apresentar o programa na rádio Sapucaia. Esperando a construção e inauguração da rádio que vai servir muito pra nós na aldeia”, Leidiane de Sousa.