Primeira edição foi espaço de acolhimento para articulação, aprendizado, troca de experiências e elaboração da estratégia nacional
O 1º Encontro Nacional de Conectividade Centrada em Comunidades foi realizado entre os dias 15 a 17 de outubro, em São Paulo. O Projeto Saúde e Alegria (PSA) participou deste evento que reuniu representantes de redes comunitárias do país, e promoveu um debate participativo para ouvir as prioridades e necessidades das redes, em diferentes regiões. O projeto LocNet, que promove o projeto, é uma iniciativa da APC e Rhizomatica, soma esforços com o IRIS e ISOC Brasil para fortalecer redes comunitárias na América Latina.
“A partir da temática principal, que é conectividade significativa centrada nas comunidades, dialogamos sobre a interseccionalidade de gênero e raça, até as pautas sobre os desafios e potências de infraestrutura e tecnologias livres, formações sociotécnicas, políticas públicas, sustentabilidade, segurança, soberania digital e atualização da carta das redes comunitárias produzida em 2022. O encontro contou com a participação de várias pessoas das regiões do Brasil, e tivemos a oportunidade especial de levar representantes da Escola de Redes Comunitárias da Amazônia, em que a nossa escola fez parte da LocNet, coordenada pelo nosso querido amigo Paulo Lima, e do projeto Rede Floresta Digital, uma nova parceria entre o Projeto Saúde e Alegria e a DW Akademy” destacou a pesquisadora de redes comunitárias do PSA, Adriane Gama.
Ao longo dos três dias de discussões, as redes comunitárias apresentaram as demandas de cada região. A partir desse debate, as sugestões vão ser sistematizadas e organizadas em um documento, que irá nortear a Estratégia Nacional de atuação das redes. Os debates envolveram discussões sobre o trabalho técnico, capacitação continuada, capacitação voltada às mulheres e o desenvolvimento de uma plataforma que atendesse as diferentes necessidades, funcionando como uma comunidade adaptada e customizada a partir de cada rede.
“As principais necessidades que, dentro do contexto de diversidade que temos no país, para as redes comunitárias, são as tecnologias que estão sendo utilizadas, os tipos de capacitações que são demandados dessas diferentes redes, as soluções de sustentabilidade, entre outras questões. Foi importante também destacar o espaço que a gente teve de gênero, o círculo de solidariedade de mulheres e de homens, onde a gente pôde trocar também diferentes experiências, e também o espaço de troca cultural. São várias ideias que saíram das nossas discussões durante o encontro, e a gente fez um esforço coletivo de que essas ideias se constituíssem como prioridades e que fossem viáveis. Então, a partir daí, a gente quer que saiam muitos e muitos projetos para as redes comunitárias” enfatizou a Representante do Programa LocNet da APC, Cristiana Gonzalez.
“Eu fui uma das primeiras alunas da Escola de Redes Comunitárias da Amazônia e estar participando desse evento hoje é muito importante para mim, como mulher amazônica, tanto para as outras meninas e os meninos que vieram participar também. Ter informações, aproveitar o que estão repassando pra gente, tanto na parte teórica, também na parte prática, conversar com diversas diversas redes e poder se aperfeiçoar para a nossa rede comunitária, no PAE Lago Grande. Um momento para poder estar participando, poder compartilhar as vivências que temos no nosso território e poder também levar um pouco do que a gente aprende aqui até o nosso projeto” relatou a jovem que faz parte do coletivo de jovens Guardiões do Bem Viver, da região do PAE Lago Grande e da Web rádio Uxicará na Vila Brasil, Karina Matos.
“Foi muito bom fazer parte desse primeiro encontro nacional, ter compartilhado a realidade que nós vivenciamos no nosso território, apresentando os desafios que nós temos dentro do nosso território, para conseguir ter uma conectividade de verdade e significativa, foi muito bom. E eu acredito que, voltando pra minha comunidade cheia de ter ouvido tantas experiências legais e que estão dando certo, e de pensar que futuramente estaremos pensando em estratégias onde vamos ter esse olhar pra todos os territórios, pra todos os lugares, principalmente pra esses lugares da Amazônia que precisam tanto desse olhar” enfatizou a jovem moradora da Comunidade Acará-Açu – PA, Antonina de Oliveira. O território está dando início as atividades do Projeto Rede Floresta Digital, apoiado pelo PSA.
A participação das mulheres foi destaque neste evento, em especial as mulheres amazônidas, que compartilharam as vivências e importância dos debates e das redes para os territórios. Além disso, destacaram o direito a conectividade, sobretudo, políticas públicas que cheguem também nas comunidades mais remotas da Amazônia.
“A gente não está falando só sobre um direito específico, mas abrangente, quando a gente vem entender a questão da internet, a gente tem que entender que tem que ter políticas públicas, tem que ter saneamento básico para as coisas poderem funcionar. E a gente que está lá na linha de frente, na ponta, na base, na nossa comunidade, às vezes não tem um entendimento sobre esses direitos. E quando a gente está nesses espaços, a gente começa a compreender que o nosso direito é igualitário para o Brasil todo, só que de fato não chega onde tem que chegar” exclamou a comunicadora Índigena da Rede Wayuri, Juliana Albuquerque, que foi aluna da Escola de Redes e participante ativa dos espaços de redes comunitárias.
“Eu acredito que comunidades tradicionais, comunidades amazônicas, elas têm esse anseio, essa esperança de que elas tenham um olhar da sociedade. As pessoas devem entender que elas também precisam ser inseridas nesse mundo digital. Então, eu vi no encontro pessoas de diferentes locais, de diferentes setores interessadas e mobilizadas em transformar essa realidade, em trazer a luz para essas comunidades hoje esquecidas pelo poder público. Então, nós vimos a esperança que essa união de forças, ela traz para que nós, amazônidas, nós que hoje não temos uma conectividade com o mundo, que a gente esteja muito próximo a conseguir esse avanço” destacou Luciana Sampaio, representante do território de Curiaú – AP, no projeto Floresta Digital.
O encontro também colaborou para a elaboração de diretrizes para o uso e desenvolvimento da internet no País. Representantes da Sociedade Civil do Terceiro Setor no Comitê Gestor da Internet no Brasil participaram do evento. É um espaço multissetorial que reúne organizações da sociedade civil, acadêmicos, pesquisadores, representantes de empresas e do poder público para colaborar com a ferramenta. Um dos temas debatidos foi sobre a soberania tecnológica das redes comunitárias, e a infraestrutura utilizada, estruturação de softwares para ter condição de manter uma rede comunitária soberana que preserve os direitos das comunidades. O Comitê Gestor da Internet (CGI) apoia com recursos a organização de eventos, seminários, formas de debate sobre os mais diferentes aspectos do uso e desenvolvimento da internet no Brasil.
“O CGI realiza um trabalho fundamental para apoiar iniciativas descentralizadas que não estejam só nos grandes centros, onde acontecem a maior parte dos eventos do campo da internet já no Brasil, para que a gente consiga fomentar discussões importantes como essa em todo o território nacional. Então, fazer um convite para você que está pensando, em se organizar, em realizar uma atividade no seu território, na sua região, organizar um seminário, pensar um fórum, um evento específico para discutir as necessidades que vocês têm, seja para falar de soberania tecnológica ou pra falar de outros temas, que o CGI pode apoiar essa iniciativa. O CGI não tem um período de edital para projetos nesse sentido, mas você pode entrar na página do Comitê Justiça da Internet e fazer uma petição de apoio para um evento” orienta a representante do CGI, Bia Barbosa.
Este momento foi mais um passo importante para fortalecer a Estratégia Nacional de Conectividade Centrada em Comunidades, e também a construção de ações de apoio as redes comunitárias. É apenas um passo desse diálogo para entender as necessidades e prioridades das redes, não deixando de lado essas ferramentas como estratégias para a proteção dos territórios, dos povos e das florestas.
“Foi bem significativa a participação de várias regiões do Brasil, mas especialmente da delegação nortista, que trouxe relatos e saberes que de outra forma a gente não consegue encontrar quando a gente está fazendo análise documental, ou quando a gente está estudando isso na academia, mas que aqui na prática a gente consegue ver a forma como cada comunidade se expressa, que não é a mesma, mas que tem trocas e que já tem muita tecnologia formada e feita, que não é aquela tradicional que a gente tá acostumada nos ambientes de tomada de poder e nos ambientes de decisão” destacou a consultora do ISOC Brasil e mediadora do Encontro, Milena Cramar.
“Para a gente, enquanto Comitê Consultivo, enquanto organizadoras e consultoras desse projeto, é mais valioso a gente ter conseguido reunir, principalmente pelas indicações do Comitê Consultivo, esses perfis de pessoas adultas, sobretudo, de pessoas jovens que tem o objetivo de permanecer nos seus territórios, as oportunidades de permanecer nos seus territórios, desenvolvendo políticas de conectividade centrada em comunidades que de fato dialoguem com essas realidades locais e que, sobretudo, prezam pelo bem coletivo” pontuou a consultora do IRIS, Glenda Dantas.