O primeiro projeto da Escola de Redes Comunitárias da Amazônia executado foi o da Rádio Web Uxicará, idealizada pelo Coletivo Guardiões do Bem Viver. Com conclusão das obras do espaço físico, instalação de energia solar e internet, a rádio comunitária opera com programação diária, direto do Assentamento PAE Lago Grande para o mundo
Em uma vila chamada Brasil às margens do Rio Arapiuns, a Amazônia ganhou uma forte aliada na defesa dos territórios. A WEB Rádio Uxicará (fusão de dois frutos da região – uixi / cará) é protagonizada pelos povos da floresta e transmitirá informações em tempo real – direto do Projeto de Assentamento Agroextrativista Gleba Lago Grande. Um sonho fortalecido pela Escola de Redes Comunitárias da Amazônia, liderada pelo Projeto Saúde e Alegria, APC e Rizhomática.
A cerimônia de inauguração organizada pelo Coletivo e planejada por toda a comunidade Vila Brasil – que abriga a rádio, foi um momento de festividade. O evento contou com música, dança, ato de inauguração e fala das autoridades numa celebração marcada pela conquista do espaço que foi idealizado para abrigar os equipamentos das rádios, o sistema de internet e de energia fotovoltaica.
“A gente sonhou em ter algo que chegasse mais próximo de nós e a rádio Uxicará vai ampliar as nossas lutas para outros locais e até territórios. Vai conectar os desconectados e fortalecer essa comunicação que já existe aqui”, destacou Thais Isabele do Coletivo Guardiões do Bem Viver.
Há anos Vila Brasil desejava fortalecer a identidade amazônica por meio da comunicação popular, propagada deles para o entorno. Até então, os jovens utilizavam uma rádio comunitária somente com alto falantes para comunicação entre as comunidades e as redes sociais para combater a desinformação. Para reforçar esse trabalho, uma articulação entre o PSA, Ministério Público do Trabalho, Internews e APC resultou na doação de mesa, cadeiras de escritório, impressoras, notebook, aparelho celular e fones de ouvido.
“O Projeto Saúde e Alegria sempre tem iniciativas voltadas para fortalecer a comunicação comunitária, o acesso à informação como um diretivo básico para as populações da Amazônia, entendendo a comunicação como um direito humano. A gente acredita muito na democratização dos meios de comunicação e essa iniciativa da rádio comunitária Uxicará faz parte dessa maravilha que são as experiências feitas da comunidade para a própria comunidade e daqui dessa comunidade para o mundo”, Fábio Pena – um dos coordenadores do Projeto Saúde e Alegria.
Em 2021, quando foi idealizada pelo mentor Paulo Lima (in memoriam), a Escola de Redes Comunitárias da Amazônia tinha como um de seus princípios, integrar coletivos organizados para realizar sonhos comunitários para o território, onde partilhariam conhecimentos e o desejo de conquistar o direito ao uso da internet, acesso de tecnologias para participação social, participação em rádios comunitárias e processos formativos de comunicação.
Cristina Caetano, esposa de Paulo Lima participou da inauguração e comentou sobre a satisfação em ver o legado de Plima se concretizando. “Estou muito feliz porque eu vi a alegria da comunidade e por no dia dos pais poder trazer o Bento para inaugurar a rádio e sentir a presença do Paulo em todo esse projeto, na fala dos jovens na comunidade. Extremamente feliz por vê-los mobilizados em projetos de comunicação, nos problemas da Amazônia, da sociedade”.
O PAE Lago Grande abriga 154 comunidades e 6.600 famílias indígenas e ribeirinhas, que trabalham com extrativismo e agricultura de base familiar. A articulação do grupo de comunicação independente aconteceu através dos Guardiões do Bem Viver – o coletivo é formado por jovens das três áreas do assentamento – Arapiuns, Arapixuna e Lago Grande.
“Os três alunos da escola, Pedro Soares, Karina Matos e Jean Silva, participaram de todas as fases de formação: presencial, virtual, mentoria e construção dos projetos voluntários. A rádio Uxicará já existia e como uma iniciativa pensada pelo Coletivo Guardiões do Bem Viver já, eles planejaram a criação da rádio web”, lembrou a ex-gestora de Projetos do PSA, Sabrina Costa.
Os Guardiões atuam na mobilização dos moradores, representando um braço da Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (Feagle) – órgão máximo de representação das comunidades do PAE. Uma das ações do coletivo é a divulgação, nas redes sociais, do trabalho da Federação, além de denúncias do território sobre crimes ambientais. A ONG Fase que também atua no território, participou da cerimônia e destacou a importância do momento para a juventude.
A rádio transmitirá informações factuais, não-factuais e investigativas, além de narrar a realidade, identidade e modo de vida da nossa região. “A comunicação é uma das ferramentas de fortalecimento para que esses territórios se desenvolvam em prol da defesa da floresta, dos rios e dos povos”, pontuou a pesquisadora da Escola, Adriane Gama.
Lançada em 2010, a rádio Uxicará nasceu de forma improvisada em uma caixa amplificada no alto de uma torre de telefone. De lá pra cá, os idealizadores vem se mobilizando para conquistar apoios e garantir a continuidade do projeto, que agora, além de espaço físico, se comunica para dentro e para fora de Vila Brasil:
“Vai ecoar nossas vozes em defesa do nosso território e da nossa comunidade, nossa comunidade. Mostrar nosso artesanato, turismo de base comunitária e deixar as comunidades informadas do que vai acontecer no assentamento PAE Lago Grande” – Pedro Soares, coordenador da rádio.
“Fazer comunicação na Amazônia é desafiador. As comunidades não têm acesso à internet ou muita limitação. A rádio web chega para que a gente fale para o mundo sobre as nossas lutas e anuncie a cultura local, os cordões de pássaro e denunciar a falta de políticas públicas, coisas simples como saúde e educação, será importante para levarmos nossa voz ao mundo”, Darlon Neres, membro da diretoria da Feagle.
Mudanças Climáticas nas ondas do rádio
A pauta das consequências das mudanças climáticas também será destaque na programação da rádio comunitária. Impactados pelos reflexos da alteração do clima, os jovens comunicadores populares preveem conteúdos voltados para a conscientização de ações que possam contribuir para a mitigação desses efeitos, considerando que as comunidades tradicionais, ribeirinhas e indígenas da Amazônia, são as mais impactadas por essas transformações.
“Especialmente nesse momento em que muito tem se falado da Amazônia, da crise climática e importância da preservação da floresta, é muito importante que as comunidades da Amazônia possam ter os seus canais de comunicação para que elas próprias possam falar nesse debate”, esclarece Pena.