Delícias Tapajônicas é o nome da start up fundada pelo jovem Luiz Henrique Lopes Ferreira em 2019. Henrique, como é conhecido, acabara de entrar na casa dos 20 anos quando teve a ideia de fazer doces, compotas e licores aproveitando as frutas que caíam das árvores nos quintais das famílias da comunidade Carão, localizada na Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns (Resex), onde vive com a sua família.
Foi assim que Henrique e sua irmã beneficiaram 40 famílias, gerando renda por meio de frutas. “A gente via que as frutas eram desperdiçadas e como a comunidade não tem energia 24 horas para a gente despolpar as frutas ou fazer sorvete, decidimos trabalhar com produtos que não precisam de refrigeração”, conta o jovem, hoje com 22 anos. Os jovens passaram a vender os produtos no Centro Experimental Floresta Ativa (CEFA) implantado pelo Projeto Saúde e Alegria (PSA), vizinho da comunidade Carão, e em feiras em Santarém.
A ideia foi apenas uma das que Henrique teve e que foram apoiadas pelo PSA. Por meio do programa Beiradão de Oportunidades que forma e financia iniciativas de jovens comunitários dos territórios de atuação da organização.
O PSA apoiou também um projeto de reflorestamento de uma nascente na comunidade de Carão. “A gente viu que o igarapé estava secando e que a nascente ficava em um campo natural, então organizamos esse projeto. A comunidade e o PSA abraçaram e hoje o igarapé não seca mais e a gente se orgulha disso”, afirma o jovem.
A família de Henrique participa de capacitações no CEFA desde a sua inauguração, em 2017. Foram cursos de criação de galinhas, de meliponicultura, Sistemas Agroflorestais (SAFs) e noções de empreendedorismo. Caminhando pelo quintal da família, Henrique aponta para um diverso pomar e conta que se no passado ele não contava com sete espécies, hoje são mais de cem variedades de plantas frutíferas. “Abrimos nossa mente para as cadeias produtivas, tudo que a gente poderia comercializar a partir da floresta e sem precisar sair da cidade e arranjar um emprego”, explica.
Mas nem sempre foi assim. Originária da Carão, a mãe de Henrique, liderança importante na Resex, mudou-se para Santarém onde conheceu o pai do jovem. A família se mudou para Manaus quando Henrique tinha apenas um ano. Foram 15 anos vividos em Manaus, nos quais, o jovem conta, o contato com a natureza era “mínimo”.
“Eu era um garoto super doente, asmático. Toda semana eu tinha que ir ao hospital por problemas respiratórios. Eu costumo dizer que quando a gente veio morar na Resex, a floresta me curou”, conta. Com seus avós, que conheceu apenas com a mudança da família para a Carão, Henrique aprendeu muito sobre a floresta. “O Henrique de Manaus sumiu e se tornou outro, muito melhor, em questão de saúde mas também de caráter. Isso me empoderou a lutar pelo meu território”, afirma.
Depois que passou a morar na Carão, Henrique nunca mais quis sair. Ele cursou o ensino médio em Santarém, na cidade, mas adiou o ensino universitário para poder atuar como liderança comunitária. “Segui os caminhos da minha mãe e comecei a fazer parte de grupos de jovens até que assumi a coordenação desses grupos. Ganhei o respeito de muita gente”, conta. Foi então que Henrique conheceu o trabalho do PSA. “Com as Copas Floresta Ativa, por meio de campeonatos de futebol, mas também de oficinas sobre arte comunitária e preparação de lideranças, viajei para muitas comunidades. Me tornei figurinha repetida nos eventos do PSA”, lembra.
Henrique se tornou representante da juventude no Conselho Comunitário Floresta Ativa, que reunia pessoas de 14 comunidades do entorno do CEFA para gerir o espaço e articular políticas publicas. Henrique relata que ao entender as dificuldades socioeconômica que os amazônidas enfrentam, começou a enxergar sua vida como um ato de resistência. “Fui entendendo a complexidade de morar na Amazônia. Nas comunidades ribeirinhas passamos por vários tipos de pressão de empresas que querem tomar nossas terras”, denuncia.
A pressão econômica acaba causando um êxodo dos moradores das comunidades para a cidade, o que enfraquece a organização da luta pela preservação da Resex. Viver e se manter na Resex era uma das principais preocupações da família de Henrique quando deixaram Manaus. “A única renda que se tem aqui nas comunidades é a fabricação de farinha, mas comercializar farinha nunca foi o forte da minha família”, explica.
Henrique se considera um ativista e socioambientalista. O jovem pretende estudar Direito para seguir na defesa de seu território. “Com esse curso terei a possibilidade de ajudar muito mais, tanto nas lutas territoriais quanto no empoderamento dos povos da floresta. O foco é viver aqui, em harmonia com a floresta, mas também tirando nosso sustento”. Antes de deixar a Carão para frequentar a universidade, no entanto, Henrique quer ter certeza que vai deixar sucessores na luta. “Preciso saber que alguém vai ficar aqui pra defender o território”, assume.
Entre os planos do jovem também está aumentar a cadeia produtiva da start up de doces e licores, prejudicada pela pandemia de Covid-19. Sua família pretende trabalhar em uma marca e um logo para comercializar todos os seus produtos, dos doces à produção de horticultura, passando pelo mel e pelo artesanato comunitário.
Em 2019, Henrique chegou a ser contratado pelo PSA por seis meses. Atualmente o jovem é fellow da Ashoka, organização internacional que atua em mais de 80 países com foco no empreendedorismo social. Hoje ele tem menos tempo para frequentar os eventos da organização e do CEFA. Quando tem sua presença cobrada pelos fundadores da organização, ele brinca: “A culpa é de vocês, por conta do PSA eu pude crescer muito e o trabalho só aumentou”.
Hoje Henrique se vê como um porta-voz das comunidades ribeirinhas e considera que seu trabalho é “culpa do Saúde e Alegria”. “Eles foram primordiais. Mesmo já tendo o conhecimento da floresta, foi com as noções de empreendedorismo e apoio dos projetos juvenis que cheguei aonde cheguei. O trabalho que o PSA faz nas comunidades é inspirador”.