Vozes do Tapajós se articulam para a COP na Amazônia em 2025: “Temos o desafio de furar essa bolha porque somos parte da solução climática”

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Dois anos antes da realização da trigésima Conferência das Partes em Belém, organizações da sociedade civil iniciaram a articulação para debater as possibilidades para oportunizar participação dos anfitriões no evento

A semana da Amazônia em Santarém foi uma oportunidade para discutir a defesa da agenda socioambiental, sobretudo, para a incidência da sociedade civil frente à realização da 30ª COP – Conferência das Partes, que reúne representantes dos países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCC). Será a primeira vez que o Brasil receberá o evento na Amazônia, no Pará.

No último dia 05/09, mais de 150 pessoas, de 16 a 60 anos, representantes de 45 instituições, dentre ONGs, Movimentos de base, Sindicatos, Federações, Associações, Coletivos, Universidades e Poder público, se reuniram no Campus Rondon da Ufopa para promover o melhor entendimento sobre o que é a COP, a importância de sua realização na Amazônia, o protagonismo dos povos amazônicos no processo, e elaborar coletivamente diretrizes que potencializem a organização dos movimentos sociais, redes e entidades da sociedade civil da região do Tapajós visando a COP na Amazônia.

O seminário ‘Vozes do Tapajós para a COP na Amazônia’ foi organizado pela Coalizão Vozes do Tapajós Combatendo as Mudanças Climáticas coordenado pelo Projeto Saúde e Alegria, Sapopema, CITUPI, CITA, STTR-STM, SURARAS e Coletivo Daje Kapap Eipi.

Na ocasião foram discutidas as oportunidades e desafios para a sociedade civil brasileira e amazônica na defesa da agenda socioambiental, o que é a COP – conferência das partes dos países da convenção-quadro das nações unidas sobre mudança do clima, e como a sociedade participa, o protagonismo amazônico: a relação da sociedade civil com a agenda governamental no contexto da COP30 e juventudes, comunicação e cultura: a valorização das identidades para sonhar o futuro.

“Temos o desafio de furar essa bolha. O governo brasileiro tem o compromisso com as populações indígenas, porque nós somos parte da solução climática. Nós precisamos que ele inclua a gente no centro da discussão e na tomada de decisão”, destacou o Coordenador Nacional da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Dinamam Tuxá.

No contexto de uma importante oportunidade em meio ao reposicionamento político do país diante da emergência climática, após vários anos de desmonte das políticas socioambientais, o evento possibilitou um momento de união pela defesa da amazônia, esclareceu o coordenador da coalizão e do PSA, Fábio Pena: “Apesar do grande rebuliço que a realização de uma COP na Amazônia está causando na opinião pública, sabemos que boa parte da sociedade ainda não entende bem o que é uma COP, como se organiza, quem participa e, especialmente, que decisões ali tomadas podem ter impacto na vida das populações. Por isso precisamos nos articular como movimentos que lutam em defesa da Amazônia e sua gente para sermos ouvidos em um momento tão importante”.

Um dos grandes desafios projetados pelos painelistas durante as quatro mesas foi a necessidade de conseguir participar ativamente do encontro, de forma a conquistar encaminhamentos reais para proteção do bioma.

“A gente precisa entender a forma como as COP’s são realizadas. Nós precisamos ficar atentos” – Auricelia Arapiun, Coordenadora do Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns (CITA).

“A defesa da Amazônia precisa que nós sociedade civil nos demos as mãos. Nos tornamos companheiros para a luta. Amém” – Edilberto Senna, Movimento Tapajós Vivo.

“Estou otimista com a oportunidade como sociedade civil se a gente aproveitar o aprendizado desses últimos anos, de manter a unidade. De não soltar a mão de ninguém” – Caetano Scannavino – Coordenador do Projeto Saúde e Alegria, membro do Observatório do Clima.

Uma das grandes preocupações dos povos da Amazônia é a aceleração das mudanças climáticas que tem afetado as atividades de subsistência. Ivete Bastos, produtora rural e presidente do STTR-STM, falou sobre o impacto dessas alterações para quem depende da Terra: “Dependendo de como está o tempo, eu posso tirar uma touceira boa ou não. Ela pode ser macia ou inviável para tecer uma mandala, um chapéu… As mudanças climáticas estão aí pra todo mundo ver. Eu sou uma mulher produtora rural, que adora ir pra feira vender produtos orgânicos. Como será o amanhã pra ter vida nessa terra, pra se alimentar, para produzir?”.

Por isso a injustiça climática foi outro tema que transitou na maioria das mesas. Se por um lado, muitos sacrificam incansavelmente para garantir o básico, por outro, uma minoria acumula vantagens sobre os mais vulneráveis. “Precisamos aproveitar o momento para falar sobre a injustiça climática. Quem não tem dinheiro para comprar ar condicionado/ventilador tem uma qualidade ruim de sono, e consequentemente é vítima da injustiça climática. Precisamos pensar em estratégias para combater isso” – disse Raquel Tupinambá, Coordenadora do Conselho Indígena Tupinambá – CITUPI.

A Coordenadora da Associação Indígena Pariri, Alessandra Korap Munduruku lembrou como a cultura e identidade das populações indígenas têm sido afetadas nos últimos anos. “As mudanças climáticas estão na aldeia. Chegou um tempo que os caciques ficaram esperando o rio baixar, e não chegava. E aí o ritual não pôde acontecer. A alimentação também ficou prejudicada e teve que chegar da cidade”. Para a liderança, uma das soluções está no combate ilegal do garimpo e desmatamento: “demarcação das terras, contra os empreendimentos que estão chegando no território. Muitas vezes o governo não está respeitando o protocolo de consulta. Hoje nós estamos construindo escolas, fazendo políticas públicas que era o estado que tinha que fazer”.

O uso intensivo do agrotóxico foi outra questão levantada durante o encontro. A região oeste do estado do Pará tem sofrido com a intoxicação, que vem gerando danos irreversíveis. “Não tem um mês que não morra uma pessoa por intoxicação por agrotóxico em Belterra. Precisamos fazer uma estratégia coletiva, unificada. Esse encontro tem que acontecer em todos os 13 municípios do baixo Amazonas, para a COP 30” – defendeu Antônia Arcanjo, educadora popular.

Como a sociedade participa da COP

“Nas COP’s existe a zona verde e azul. O nosso papel enquanto sociedade civil é como que a gente fura essa bolha e adentrar esse espaço o que vai ser determinado para o clima. Eles falam se as metas foram cumpridas ou não. Se vão democratizar o espaço ou não. Como a gente vai incidir para o espaço mais diverso, se a gente não consegue colocar representatividade nesse espaço. Eles estão discutindo sobre a questão do clima para os países”, explicou a Coordenadora do Programa Vozes pela Ação Climática Justa, Fundação AVINA, Ellen Acioli.

O painel 2 evidenciou os trâmites burocráticos para a participação da sociedade na Conferência das Partes. Um procedimento que precisa ser iniciado o quanto antes para garantir a presença dos representantes locais no evento internacional, sediado em Belém em 2025. “Temos uma população e organização muito forte na região amazônica. Precisamos elaborar propostas para dialogar estratégias para garantir a participação da sociedade civil na COP30”, comentou Wandicleia Lopes, coordenadora da Sapopema e mediadora da mesa.

Protagonismo amazônico: a relação da sociedade civil com a agenda Governamental no contexto da COP30

No 3º painel, a Promotora de Justiça Agrária de Santarém da II Região Agrária/PA, Herena Neves de Melo, falou sobre os direitos humanos da Amazônia e a necessidade de conectar as políticas públicas.

A mesa foi presidida pelas lideranças indígenas Alessandra Munduruku e Raquel Tupinambá e mediada por Vall Munduruku.

“A gente sai dessa mesa com a responsabilidade de gerar mobilização das mulheres indígenas e comunidades tradicionais e levar as nossas narrativas para esse espaço” – Vall Munduruku – Associação Suraras do Tapajós.

Juventudes, comunicação e cultura: a valorização das identidades para sonhar o futuro 

“O meu sonho é mostrar a luta do povo, de dentro e de fora também” – enfatizou o jovem indígena Frank Akay Munduruku, do Coletivo Da’uk.

Ele, junto de outras vozes do médio e alto Tapajós tem protagonizado o registro das ações predatórias contra os territórios indígenas. Com câmeras, celulares e drones, têm mostrado a luta e resistência das populações indígenas para defender a Amazônia.

“Lutar pelo meu território, pelas futuras gerações. Essa ferramenta que a gente está trabalhando é muito importante para levar o nosso trabalho a ser conhecido. Mostrar a realidade do nosso povo. O sofrimento das crianças que não podem mais tomar banho está sujo. As dragas já acabaram com as ilhas que já foram estragadas. É a nossa realidade do médio e alto Tapajós que vem sofrendo a mesma coisa. O coletivo vem mostrando essa realidade para tentar que eles se conscientizem”, explicou Aldira Akay Munduruku do Coletivo Daje Kapap Eipi Munduruku.

Movimentos, organizações e coletivos têm se unido para fortalecer essas iniciativas. Rafael Ribeiro, Diretor do Instituto Território das Artes – ITA e Festival de Cinema de Alter do Chão comentou sobre essa frente de atuação coletiva: “Essas vozes precisam ter espaço de fala. O cinema e o audiovisual que são produzidos nos quilombos, comunidades e aldeias têm uma importância primordial para que essas narrativas sejam visibilizadas. A gente precisa se apropriar das ferramentas para garantir”.

O evento contou com sistematização visual, onde foram ilustrados encaminhamentos e próximos passos. Também foi lançada a plataforma Vozes do Tapajós pela Ação Climática #vactapajos e apresentada durante o Seminário, a cartilha Justiça Climática, produzida pelo @tapajosdefato.

“A gente não quer ver a Amazônia em cinzas, mas a Amazônia protegida, os territórios demarcados e a floresta em pé. Mas a gente precisa aprender a cuidar de onde a gente está. Muitos de nós aprendemos a ser lideranças com aqueles que vieram antes de nós.  A gente quer um futuro onde a gente consiga viver neles seguro, trabalhar, se alimentar. Nós somos o território. O nosso corpo é o território. E as nossas vidas precisam desses elementos. A gente aprendeu que trabalhar na roça não é vergonha. Comer xibé, farinha é miséria, não é. É cultura”, Darlon Neres – Coletivo Guardiões do Bem Viver.

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