O som que estava preso na garganta de Livaldo Sarmento, de repente, ecoou. Sua voz foi ficando mais alta e ele foi arranhando o violão mais forte enquanto cantava a música que compôs para o programa Floresta Ativa, do Projeto Saúde e Alegria (PSA), em 2014. Foi seu primeiro ano trabalhando para a organização. “Sei que nossa gente da floresta também tem o seu valor” compôs o violeiro, em um dos versos da música que, conta, se tornou “badalada” nos eventos do PSA e conhecida por toda a juventude dos territórios atendidos pela organização.
Mostrar o valor da gente da floresta está no centro de toda a vida profissional de Livaldo. Aos 63 anos de idade, ele já atuou em todas as esferas políticas e participativas de Santarém. Das reuniões da catequese da Igreja Católica na sua juventude na comunidade São Pedro, localizada na Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns, passando pela presidência do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) do município, por representações no então Conselho Nacional dos Seringueiros e até mesmo exercendo um mandato de vereador de Santarém, entre 2000 e 2004.
No entanto, é fazendo música que os olhos de Livaldo brilham, e é por meio dela, enquanto instrumento de agitação, que ele consolida o trabalho de organização comunitária que realiza com as comunidades. “Uma coisa é chegar e fazer uma reunião, apresentar a pauta. Outra coisa é quebrar o gelo com a música, para as pessoas relaxarem”, explica, apontando para o violão que fica pendurado ao lado da sua escrivaninha na sede da organização.
Desde os seis anos de idade Livaldo desenvolve seu dom musical. Já tocou guitarra, teclado e violão e desde cedo compunha para os amigos da sua comunidade. Ele acredita que a música é uma das melhores atividades para motivar as pessoas, principalmente a juventude.
Quando o PSA conclui o serviço em alguma comunidade, como a entrega de um novo sistema de abastecimento de água, o momento é de festa, afirma Livaldo. “O pessoal fica esperando o momento e faz questão de fazer um banquete, celebrar mostrando sua cultura. Quando me vem uma certa inspiração eu componho”.
Esse contato com os comunitários é a atividade favorita de Livaldo. “É uma tarefa que sempre fiz na vida, discutir como organizar uma associação, uma cooperativa, levar informações para as comunidades sobre como podem fazer pedidos, requerimentos ou projetos junto às instituições governamentais”, conta.
Em 2012, aos 54 anos, ele se formou no curso de ciências sociais. Livaldo viveu na comunidade São Pedro até o ano de 1991, quando se mudou para a área urbana de Santarém para seguir a vida sindicalista. Na época, seu principal trabalho era encaminhar os trabalhadores rurais no requerimento de seus direitos previdenciários. Foram sete anos na tarefa até assumir a presidência do STTR, entre 1997 e 2000. A decisão de se lançar vereador não foi sua: Livaldo foi escolhido em uma votação que envolveu mais de 200 delegados sindicais. O objetivo era colocar uma representação dos trabalhadores rurais dentro do parlamento santareno.
Durante todo o mandato, Livaldo foi a única oposição ao executivo municipal da época. Ele destaca que o mandato tinha representação direta de todas as regiões de Santarém, que formavam um conselho político. “Minha estratégia era que quando uma comunidade me procurava para que eu apresentasse algum requerimento, eu chamava as pessoas para a plenária para observar quem votaria a favor ou contra”. Com a pressão popular, os demais vereadores acabavam votando a favor da demanda das comunidades, explica Livaldo.
Das experiências em diferentes áreas da política, a defesa do coletivo é o maior aprendizado do cientista social. “Tenho uma forte crença nessa forma coletiva de trabalhar. Nunca foi ‘meu’ mandato, e sim ‘nosso’ mandato”, resume. Hoje, Livaldo entende que seu forte mesmo é trabalhar com movimentos sociais.
Quando conheceu o PSA, aos 30 anos, Livaldo ainda nem havia saído de sua comunidade. Quando entregou seu currículo para trabalhar no PSA, em uma vaga recém aberta, ele já tinha 56 anos. “Muita gente desejava trabalhar no projeto e eu também”, lembra.
Caboclo e ribeirinho, Livaldo se sente diretamente beneficiado pelo trabalho do projeto. “Por tudo que eu já vi, vivi, observei e aprendi com outros eventos passados antes de entrar no PSA, entendo que é uma entidade que presta um serviço muito importante para as comunidades, principalmente as ribeirinhas”, afirma.
Até hoje, Livaldo volta para São Pedro todos os meses para trabalhar na sua roça. É membro da associação comunitária e atua como ponte entre os comunitários e autoridades públicas em Santarém. Quando passa pelo Porto de Santarém, sai conversando com todo mundo como se estivesse em família.
O violeiro sonha em se aposentar e passar o resto da vida no lugar onde nasceu, “sossegado e sem o estresse da cidade”. “Eu gosto muito da minha comunidade, da floresta e da roça”. O outro sonho de Livaldo é que, como ele, os ribeirinhos sigam motivados para ter sua própria autonomia. “Sem assistencialismo e paternalismo, defendo que as comunidades sejam protagonistas de suas próprias vidas”.