Portaria N°7554/2021 publicada no Diário Oficial do Estado em 22 de novembro, estabelece critérios para qualidade e requisitos para o mel de abelhas sem ferrão. O regulamento foi proposto à ADEPARÁ pelo Projeto Saúde e Alegria e virou política pública estadual;
Dentre as atividades que o Projeto Saúde identificou ter um grande potencial para casar a proteção da floresta como a geração de oportunidades econômicas para os moradores da floresta, destaca-se a meliponicultura (manejo racional de abelhas nativas sem ferrão).
Abelhas são um dos animais mais importantes do planeta – e não porque produzem mel. A principal razão é: nossa comida depende da existência delas. Cerca de 80% da polinização de todas as plantas do planeta é feita pelas abelhas. Se considerada apenas a floresta amazônica, de 35% a 90% das árvores dependem de abelhas como polinizadores primários. Enquanto grãos são primordialmente polinizados pelo vento, frutas, nozes e vegetais são polinizados por elas. Alguns dos produtos do Brasil e da Amazônia, como açaí, castanha, cacau, pimentas e frutas, dependem das abelhas sem ferrão para polinização. No caso do açaí (principal produto do extrativismo da Amazônia), as melíponas estão entre principais polinizadores.
Embora a meliponicultura represente uma importante atividade econômica para os povos da floresta, esta atividade ainda carece de regulamentação adequada.
Esse é um dos desafios enfrentados pelo Projeto Saúde e Alegria (PSA), por meio do Programa de Economia da Floresta, nas ações de estruturação da cadeia de valor do mel de abelha sem ferrão, em uma soma de esforços com outras organizações parceiras.
Desde 2020, têm-se buscado alternativas para promover a legalidade da atividade, que ajuda na segurança alimentar, garante renda, valoriza a cultura local, presta um importante serviço de polinização, e mantém a floresta em pé.
Nesse sentido, a publicação da portaria N°7554/2021 é um marco histórico. O regulamento técnico aprovado de identidade e qualidade do mel de abelhas nativas sem ferrão oferece um caminho para regularizar o produto final, definindo procedimentos de processamento e conservação e características do mel de abelhas sem ferrão.
“Deu-se um importante passo rumo à valorização desta atividade”, explica Jerônimo Villas-Bôas, consultor do PSA. “É uma grande conquista, especialmente porque até hoje o Estado do Pará, por não ter um regulamento específico, estava sujeito a um regulamento federal que é aplicado só à cadeia da apicultura. Os parâmetros físicos e químicos, as informações relacionadas ao método de obtenção e acondicionamento dos produtos, todos eles são associados à cadeia da apicultura. Assim, o mel que era produzido no Pará ou não se enquadrava nesses parâmetros do regulamento de identidade e qualidade do mel federal, ou ele precisava ser alterado, por exemplo, ser desidratado para que a umidade baixasse”.
A portaria prevê diferentes formas de beneficiamento, desidratação, a possibilidade do comércio in natura pasteurizado, fermentado, entre outros modos. ”Ela estabelece também métodos de extração, seja por escoamento, seja por sucção que são compatíveis à meliponicultura. Então, sem dúvida é um passo super importante para a regularização da atividade no Estado” – complementa Villas-Bôas.
Por meio do regulamento proposto para ADEPARÁ pelo Saúde e Alegria, os meliponicultores contam agora com as orientações para padronizar suas atividades. O Diretor Geral da Agência de Defesa da Agropecuária do Pará, Jeferson Pinto de Oliveira, considerou na publicação que as abelhas nativas sem ferrão (Meliponini) e seus méis são elementos importantes e característicos da cultura paraense, por representarem uma significativa diversidade de espécies de abelhas sem ferrão nativas do estado do Pará, potencial da meliponicultura para promoção de segurança alimentar, inclusão socioprodutiva e geração de renda para povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultura familiar, diversidade tecnológica e cultural existente para obtenção e beneficiamento do mel das abelhas nativas sem ferrão por produzem méis com características físicas, químicas, microbiológicas, organolépticas e gastronômicas significativamente diferentes do mel convencional produzido pelas abelhas Apis mellifera.
De acordo com a médica veterinária do Órgão Fiscal estadual agropecuário, Dra. Cristiane Simões, a publicação representa a importância de uma legislação que atenda as características e parâmetros das espécies da região e a padronização da obtenção, beneficiamento e controle de qualidade do mel. “Agora, o próximo passo é a criação e a regularização da Casa do Mel para obtenção do registro de produtos artesanais de origem animal para que o meliponicultor possa comercializar seus produtos inspecionados e o consumidor tenha a garantia de adquirir um produto de qualidade e segurança alimentar” – ressalta.
Para garantir o fortalecimento da atividade de manejo para meliponicultores na região, é preciso resolver o procedimento de autorização de manejo, esclarece o coordenador do Programa Floresta Ativa, Davide Pompermaier: “Esta atividade é antiga na região e muitas famílias manejam há anos abelhas capturadas na floresta sem autorização prévia. Uma resolução do CONAMA determina que a atividade tem que ser autorizada pelo órgão ambiental competente e que o manejador tem que comprovar a origem legal das abelhas, inviabilizando a regularização da atividade tradicional. Diversos estados já tomaram providências para resolver esta situação, como é o caso do Amazonas, que em outubro passado, por resolução do Conselho Estadual de Meio Ambiente, determinou que os manejadores de abelhas nativas sem ferrão que não puderem comprovar a origem de suas abelhas, terão prazo até final de 2023 para se regularizarem por meio de uma autodeclaração. Seguimos dialogando com o Estado para que seja adotada uma solução similar também no Pará e esperamos que esta questão seja resolvida ainda este ano”.
Meliponicultura fonte de renda e estímulo à floresta em pé
O Programa Floresta Ativa conta com apoio do Fundo Amazônia, GEF e outros doadores, e busca por meio de parcerias alavancar a participação da Economia da Floresta de base comunitária no desenvolvimento regional, por meio de empreendimentos e sistemas produtivos agroecológicos e florestais que reduzam as emissões de CO2 e contribuam para segurança alimentar, elevação da renda e inclusão social.
O manejo racional de abelhas nativas sem ferrão é uma atividade que proporciona uma renda complementar significativa, demandando uma dedicação reduzida, ao mesmo tempo que oferece serviços ambientais relevantes na polinização de espécies vegetais nativas e de interesse agrícola.
O projeto de meliponicultura inclui capacitação dos produtores, entrega de kits para manejadores, apoio para a certificação dos produtos e desenvolvimento de soluções para o processamento, o armazenamento e a comercialização da produção.
“Eu não sabia a importância que as abelhas tinham pra nós. Não tinha conhecimento, e a partir do curso de capacitação do Saúde e Alegria surgiu o interesse. Eu tinha medo, e participando das capacitações, vi que dava pra mim. Antes do manejo, a minha renda era praticamente zero porque eu trabalhava com mandioca pra fazer farinha, então eu não tinha renda. Depois que eu comecei a trabalhar com a abelha, eu passei a ter”, afirma Joelma Lopes, da comunidade de Carão na Resex Tapajós-Arapiuns, referência no manejo de abelhas.
Caetano Scannavino, coordenador do PSA, lembra que as abelhas vêm desaparecendo na região, sobretudo nas zonas de expansão do agronegócio sobre a floresta. “A portaria 7554 é um estímulo para mobilizar mais manejadores e trazer essas abelhas de volta. Elas polinizam, melhoram inclusive a produtividade agrícola. E com uma clareza maior na regulamentação, facilita a inserção dos empreendedores comunitários no mercado, assim como os ganhos de escala. Fundamental também o momento dela, diante de todas as dificuldades e baixa econômica em meio a pandemia de Covid-19. Pra informação, uma família com 100 caixas de abelha pode gerar 15 mil reais ou mais por ano apenas com mel, sem falar em pólen, geleia real, própolis e outros derivados. E ajudando a floresta a continuar em pé.”