Coletivo “Guardiões do Bem Viver” participou no período de 29 a 31 de agosto no Arapiuns de capacitação realizada pela Sapopema e Projeto Bonds. Programação contou com apoio do Projeto Vozes do Tapajós Combatendo as Mudanças Climáticas (VAC-Tapajós) do Saúde e Alegria, Fundação Avina e Projeto Saberes
Alvo constante de desmatamento, poluição dos rios e ações predatórias, a floresta amazônica tem refletido os ataques. Diretamente afetados, indígenas, ribeirinhos, pescadores e pescadoras sentem na pele as mudanças que vêm ocorrendo nos territórios. “Hoje está muito mais quente. Antes a gente trabalhava na roça até depois do meio-dia e agora depois das 10h fica insuportável, não tem condições de trabalhar”, narra o agricultor Antônio Elves da aldeia Camará, região do Rio Arapiuns, que vem acompanhando as mudanças ao longo de cinco décadas.
A percepção é compartilhada na aldeia vizinha, Novo Horizonte. As famílias que sobrevivem do plantio de mandioca, tem notado a transformação no clima, no rio e respectivamente no modo de vida comunitário, conta a cacica Ediane Mota: “O clima está muito quente e a água também. A gente não pode tomar banho no rio qualquer hora mais, só de noite ou de manhã cedo”.
Ambas comunidades dependem da água do rio para consumo e afazeres domésticos. Maria Tavares, 2ª cacica da aldeia Camará, reforça que nos últimos anos, a temperatura mudou consideravelmente e que os moradores têm sofrido com as alterações climáticas: “A quentura aumentou demais, a temperatura do rio mudou. Antigamente a gente tomava banho no rio e a água era bem geladinha, hoje em dia, a água está muito quente. Quando dá meio dia parece que sobe a quentura do chão igual fogo. Até debaixo das árvores a gente sente o vapor da quentura que vêm”.
Para discutir a temática, a equipe Técnica da Sapopema e Projeto Bonds realizaram ações de capacitação para iniciativas de defesa da Amazônia com o Coletivo “Guardiões do Bem Viver”. A programação contou com apoio dos Projetos Vozes do Tapajós pelas Mudanças Climáticas (VAC-Tapajós), Saúde e Alegria e Saberes, com parceria da Feagle e ONG Fase.
A programação abordou a problemática do clima e mudança da água, através de debates, rodas de conversa, oficinas, exposições e grupos de trabalho. Dentre as atividades, a Sapopema realizou junto aos Guardiões, uma oficina de uso de microscópio de papel (foldscope) para analisar a qualidade da água do rio e dos poços artesanais da comunidade. “Nós trabalhamos como eles vêm percebendo que o rio está mudando, a coloração, a temperatura, doenças de pele que vem ocorrendo em relação a água. Com um microscópio de papel, eles fizeram a análise da água de diferentes pontos do rio e poço e analisaram. Saiu a proposta de encaminhamento de um documento à Ufopa solicitando um estudo mais detalhado do que está acontecendo no rio Arapiuns” – explicou a pesquisadora da Sapopema, Neriane Mota.
Os participantes também utilizaram jogos para dialogar sobre a gestão socioambiental da Amazônia no contexto das mudanças climáticas: PescaViva, REHAB e Jogo da tartaruga, uma iniciativa do Projeto Bonds/Sapopema. “A gente elaborou uma programação junto com eles para trabalhar essas problemáticas. Além disso, eles construíram um mapa com as problemáticas que afetam o território. Esse mapa será usado em outras atividades para discutir sobre o tema” – acrescentou Mota.
O momento ápice da mobilização foi a tarde do dia 31 de agosto, quando foi realizado o ato em defesa da Amazônia. Barcos, pequenas embarcações e rabetas, realizaram o ‘rabetaço’, uma navegação de protesto pelas ações predatórias no território. Darlon Neres do Coletivo Guardiões do Bem Viver, um dos idealizadores da ação, contou que o objetivo da proposta é chamar atenção para a crise climática e o aquecimento global nas comunidades a partir do envolvimento da juventude. “Ecoamos o grito que vem da Amazônia durante o rabetaço onde as pessoas falaram da água e do clima e como isso tem impactado a vida das populações” – esclarece.
Preocupado com o futuro nas comunidades, o jovem Ian Sousa, um dos Guardiões do Bem Viver, disse que eles temem como a Amazônia estará nas próximas décadas se o ritmo de desmatamento continuar. “Estamos buscando fortalecer a luta em defesa do território”.
Estudos realizados pela Universidade Federal do Rio de Janeiro ao longo de dez anos no PAE, têm investigado as alterações no volume de chuva, período das chuvas, índice pluviométrico, temperatura, qualidade da água e do solo, que tem se acentuado. Segundo o professor da UFRJ / Projeto BONDS, Gustavo Mendes, os resultados apontam “Uma série de mudanças que estão influenciando transformações no modo de vida dessas populações. O impacto das mudanças climáticas é sentido por todas as populações do PAE Lago Grande”. Para o pesquisador, o papel dos jovens é muito importante para mitigar os impactos dessas transformações. “Os guardiões representam a força da juventude nesse processo de organização social e que passa pelos adultos, lideranças e principalmente pela juventude que assume esse papel de liderança no PAE Lago Grande”.
Também participaram do encontro representantes do Conselho Indígena Tupinambá (CITUPI). “A presença das organizações é mais uma força para se somar a essa luta em defesa do território, do bem viver. Pela manhã nós presenciamos uma cena triste para nós povos indígenas, a passagem de balsas com madeira da região”, narrou Lucas Tupinambá.