“Os projetos que funcionam aqui são os que são pensados junto com as comunidades” – Walter Kumaruara 

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Enquanto Walter Kumaruara filmava uma ação do movimento indígena do Baixo Tapajós em frente ao Ministério do Meio Ambiente, em abril de 2021, o então ministro da pasta, Ricardo Salles, divulgava imagens suas e de seus companheiros chamando-os de “tribo do Iphone”. A manifestação fazia parte do Acampamento Terra Livre que denunciava o desmonte dos direitos dos povos indígenas e as postagens de Salles viralizaram pela desmoralização que o ministro promoveu contra esses povos.

“Assim como eu usar um celular não me faz menos indígena, usar um cocar não torna Salles um indígena”, resume Walter, conhecido como Waltinho, que não apenas utiliza um celular mas trabalha com educomunicação, ensinando jovens de comunidades indígenas, quilombolas, extrativistas e ribeirinhos justamente a utilizar a tecnologia para denunciar opressões. “Trabalhamos a importância da mídia, de uma câmera, do celular como ferramenta de defesa, de contranarrativa, trazendo a voz da juventude que querem calar”, explica.

Walter é contratado pelo Projeto Saúde e Alegria (PSA), do qual deve grande parte da sua formação. Ele conta que conheceu o PSA e começou a frequentar atividades que a organização realizava sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)  quando tinha apenas nove anos, vivendo na comunidade Pedra Branca, na Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns.

Ainda criança, ele participava de fóruns, assembleias e reuniões sobre diferentes temáticas contempladas pelo PSA. “Eu era uma das únicas crianças que estava no meio dos agentes de saúde, buscando entender como tudo funcionava. Saía de casa e insistia para os professores me liberarem para eu participar das atividades, mesmo que não liberassem”, brinca.

Com os aprendizados, Walter olhava para dentro de sua comunidade, “via o que estava faltando desses direitos”. Foi aí que, ainda adolescente, aos 13 anos, começou a atuar na área da educação. Por falta de bibliotecários, ele e alguns amigos voluntariavam na Biblioteca Manoel Peixoto, que até hoje existe na sua comunidade, e decidiram usar o espaço para dar aulas para crianças. Até então as crianças mais novas não eram contempladas pela educação formal na região e ficavam em casas quando os pais iam para a roça. “A gente ensinava elas a ler”, lembra.

A iniciativa motivou a chegada do ensino pré-escolar na comunidade e Walter foi convidado para auxiliar os professores nas aulas. Na mesma época, o jovem escrevia à mão jornais comunitários, que eram xerocados na cidade e devolvidos às comunidades pelo PSA. “Eu ouvia programas de rádio e via que não saíam informações da minha comunidade. Aí pensei que ia começar a fazer isso também”, conta. “Eu escrevia sobre alguém construindo um barracão, sobre puxiruns, essas notícias de correio comunitário”.

Dos jornaizinhos à mão, com a chegada de placas solares e tecnologias, Walter passou a escrever no computador e produzir outras mídias, como filmes, também com o apoio do PSA, por meio do projeto Vivo em Cena. O jovem teve que deixar a comunidade para estudar o ensino médio e assim que se formou começou a ensinar direitos humanos em uma escola na cidade de Santarém. No ano seguinte, voltou para Pedra Branca e passou a dar oficinas de comunicação na escola onde havia estudado a vida inteira.

Walter Kumaruara em atividade de educomunicação no Cefa. Fotos: Júlia Dolce.

Foi nessa época, já maior de idade, que Walter começou a trabalhar no PSA como arte educador das crianças atendidas pela organização. Eventualmente, o jovem foi contratado para trabalhar na mobilização de projetos de assistência técnica. Em paralelo, Walter foi se tornando uma referência jovem de educomunicação e passou a frequentar conferências e seminários no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, falando sobre os desafios da juventude e da comunicação na Amazônia.

De seu trabalho como ativista nasceu, em 2018, o coletivo Jovem Tapajônico, focado no fortalecimento da formação de lideranças a partir da capacitação sobre os próprios territórios do baixo Tapajós. “O coletivo traz reflexões políticas sobre a importância do voto, de acompanhar as propostas dos políticos”, explica.

Um dos projetos do coletivo, o Piracaia de Saberes, pretende inserir a história dos territórios da região na grade curricular dos professores. “Não adianta estudarmos Grécia Antiga se a galera não sabe nem o que está acontecendo aqui agora, como se formou nosso território e se alguém pode tirar a gente daqui”, reflete. “A ideia é informar os jovens para não entregarmos nosso território de mão beijada”.

A questão territorial é essencial para a formação da identidade de Walter. Filho de uma comunidade ribeirinha e extrativista, Walter também se identifica como indígena, herança da família de seu pai, pertencente ao povo Kumaruara, que também vive na Resex. “Eu entendi quem sou participando dos movimentos. Por isso, sei que ensinar isso nas escolas é importante, para a gente saber da onde vem”, exemplifica.

Neste ano, o jovem entrou formalmente no movimento indígena do Baixo Tapajós. Embora esteja traçando seus próprios caminhos como liderança indígena, Walter ainda compõe o Conselho Municipal da Juventude de Santarém, representando o Saúde e Alegria, e em 2020 teve um importante papel na denúncia do tratamento dispensado às comunidades tradicionais durante a pandemia de Covid-19.

“Brigamos com o governo de Santarém para ele fazer seu trabalho”, conta. Walter escreveu uma carta que chegou até o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), relatando a falta de acesso aos testes de Covid. O jovem passou boa parte da pandemia embarcado no barco hospital Abaré que funciona em parceria com o PSA, rodando por todos os territórios atendidos pela organização e entregando kits de prevenção para as comunidades. Enquanto viajava, além de entregar os kits fazia campanhas usando alto falantes orientando as pessoas a usarem máscaras e adotarem todas as medidas de prevenção.

A importância de seu trabalho, segundo Walter, está no fato de voltar para seu território com os aprendizados de suas andanças pelo Brasil. “Ficar na comunidade é uma coisa boa, mas sair e voltar com novos conhecimentos é melhor ainda, porque trazemos uma visão mais ampla de nossos direitos”, avalia. É o que ele faz no programa de Rádio Rede Mocoronga, do qual é um dos apresentadores.

Para o futuro, o jovem pensa em cursar psicologia para atuar com a juventude que sofre com depressão nas comunidades. “Não adianta fazer universidade só para ter um diploma, quero fazer algo para suprir uma necessidade”. Poder trabalhar nesses territórios tendo sido criado em um deles é o que, na visão de Walter, torna seus projetos, e os do PSA, bem sucedidos. “As pessoas têm que entender que a Amazônia não é uma colônia onde podem enfiar projetos goela abaixo e depois ir embora. As coisas que funcionam aqui são as pensadas junto com as comunidades”, conclui.

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