Os olhos do mundo estão voltados para a Amazônia. E agora?

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Patrícia Kalil para a Rede Mocoronga 

O seminário “Sintropia na Amazônia: Ciência, Agricultura e Floresta” apresentou os desafios e oportunidades para os produtores rurais na Amazônia. É possível e urgente sair desse ciclo vicioso de endividamento do setor rural e de destruição da floresta. O cientista e agrônomo Antonio Donato Nobre, do INPE, falou sobre o futuro do clima na região e o risco da criação de um deserto no lugar da floresta. O grande produtor rural Rogério Vian, da Aprosoja Brasil e Goiás, mostrou como o modelo convencional da agricultura está com os dias contados e falou sobre seu processo de transição para um modelo sustentável que não depende de insumos externos. O agricultor Ernst Götsch fechou a manhã de palestras defendendo uma transformação de valores que segue o ecossistema como ética, uma ética dentro da vida do planeta baseada em relações de cooperação. “O que eu posso fazer? Como posso interagir para ser querido, ser útil no sistema? Eu não vou matar a mãe que me nutre, não sou suicida”

Antonio Nobre abriu a primeira palestra do seminário com uma visão profunda da vida na Terra e nos levou para uma viagem no tempo quatro bilhões de anos atrás. O motivo simples porque temos que cuidar do meio ambiente é que “nós vivemos aqui e só aqui e sempre aqui. Não temos outro lugar para viver, nem para cima, nem para baixo. Temos essa casquinha que é absolutamente frágil na qual nós surgimos, evoluímos e vivemos”.  Explicou que o equilíbrio instável que permite ter água líquida na Terra acontece por causa de um fenômeno que só tem aqui: vida. “O verde atrai a água, o verde controla o carbono, o verde regula o clima. O verde produz o oxigênio. Somos o único planeta que tem oxigênio livre. Nos últimos quatro bilhões de anos quem produz o oxigênio é o verde”. Ele deixou claro que a nossa soberania está ameaçada, sim. Mas “não é porque tem gente querendo vir aqui roubar a Amazônia, é por causa de uma minoria que decidiu destruir tudo”. Nobre alertou que “é tempo do agronegócio despertar, porque (poucos cientistas) mercenários vendem conveniências agradáveis de escutar (em pesquisas patrocinadas por grandes grupos de insumos agrícolas), mas que são conveniências mentirosas”. Há diversas pesquisas da Embrapa que mostram que é possível aumentar a rentabilidade sem derrubar uma árvore sequer. Mostrou que agora é momento do agricultor pensar no futuro do próprio negócio, sair desse ciclo vicioso de dependência e que a destruição de floresta é um suicídio

O agrônomo e agricultor Rogério Vian falou da crise do produtor rural nacional, cheio de dívidas, altamente dependente de “pacotes prontos” e com pouquíssima rentabilidade. “Para você ter uma ideia, 96% de todo cloreto de potássio (KCL) usado pelo setor agrícola no Brasil é importado. É um absurdo um país como nosso, que é um dos maiores produtores agrícolas do mundo, ser dependente de um produto importado. Se você pegar o fertilizante NPK, 84% é importado. Não podemos continuar com essa dependência, isso é um absurdo. Comecei a me indignar com isso”, conta. Vian hoje é um grande produtor orgânico e presidente do GAAS – Grupo Associado de Agricultores Sustentáveis. Para ele, todo esse processo foi libertador, mas ele precisou de muita vontade para “desfazer o nó” que a indústria e a própria faculdade de agronomia voltada para a indústria fez na cabeça dos produtores.  Conta que pelo fato de sua propriedade ser vizinha do Parque Nacional das Emas, 12 anos atrás foi pressionado a mudar sua forma de produzir para não impactar a vida do parque com venenos ou transgênicos. Hoje ele e grandes produtores com até 70 mil hectares encaram a transição para uma agricultura menos dependente essencial para a sobrevivência do setor. “Literalmente, os produtores estão quebrados e não sabem. A minha cidade já teve 400 agricultores, hoje tem menos de 130. Está errado, o sistema realmente é predador, que não deixa você ficar livre. Essas empresas dão o crédito, as sementes, os defensivos, compram sua produção e a migalha que sobra é do produtor. Rentabilidade é diferente de produtividade. Rentabilidade é sobrar dinheiro no bolso. Antigamente, a gente transferia renda, agora a gente começou a transferir patrimônio. Todo ano, milhares de produtores saem da atividade. Esse modelo exclui. Temos que procurar soluções para isso.”

O geneticista e agricultor Ernst Gotsch completou as palestras da manhã com uma fala filosófica. Lembrou que “o ser humano é a única espécie que vem repetindo os mesmos erros, afastando-se da floresta, afastando-se dos ecossistemas, esgotando os recursos”. Isso tem resultado em conflitos, que levam para a guerra, para a falência, para a morte.  Na história antiga, ele lembra que tivemos casos de civilizações que entraram em colapso por seguirem esse caminho. Foram exemplos locais, regionais, continentais. Nas últimas décadas, estamos repetindo o mesmo processo, mas agora estamos criando uma crise global, do planeta. “Eu desconheço uma espécie tão cega como a nossa que marcha para o suicídio, matando a mãe que nos alimenta”. O apelo de Gotsch é para que paremos de lutar contra a natureza e passemos a exercer nossa função em cooperação com o meio ambiente, usando a ética do ecossistema. “A natureza desconhece concorrência e competição. Ela trabalha nos princípios do amor incondicional e cooperação. Cada ser vivo nasce equipado para realizar suas tarefas e cumprir suas funções movidos pelo prazer interno. A cotia trabalha, o sabiá trabalha, toda planta trabalha. Todos realizam suas tarefas e funções movidos pelo prazer interno. Se olhássemos um pouquinho dentro de nós perceberíamos isso. Somos ligados com as plantas, dependemos das plantas. Somos parte de um sistema inteligente e  somos inteligentes. Mas quando declaramos que somos os únicos seres inteligentes da Terra, começamos a ficar ignorantes. Estamos nos transformando em câncer do sistema. Temos que aceitar que somos parte de um sistema inteligente”.

Ernst Gotsch em oficina no Centro Experimental Floresta Ativa

Temos diversos modelos ecológicos de produção sustentável. O que une todos eles, seja o cultivo orgânico, a agricultura biodinâmica, as técnicas de permacultura ou a agrofloresta sintrópica é que são formas de produzir uma variedade de alimentos com recursos naturais, sem insumos ou agrotóxicos feitos em laboratório, muito menos a dependência de sementes transgênicas. Agora, a grande diferença do modelo sintrópico de Ernst é trabalhar para potencializar e acelerar o balanço energético positivo no sistema, com o uso sensível de podas, observação da natureza e harmonização entre espécies. Ele produz alimentos na floresta. A sintropia, ao contrário da entropia, trabalha com o equilíbrio e ajuda a promover as interações entre espécies e o crescimento natural.

Para Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde e Alegria, precisamos entender a Amazônia como um grande bônus e não como um ônus: “O que está em jogo é o desenvolvimento para todos, para sempre, não só para hoje. Vamos aproveitar a atenção que foi dada nacional e internacionalmente a nossa região para pensar em soluções, com mais diálogos e menos pólvora. De 1988 para cá a gente desmatou o equivalente a duas Alemanhas, sendo que a maioria dessas áreas desmatadas estão ocupadas com pastagens de baixíssima produtividade  ou abandonadas. O que temos que encontrar é uma solução para as áreas consolidadas agricultáveis hoje. Temos que ter políticas públicas que incentivem o produtor rural para fazer a transição para um modelo menos dependente, mais rentável e mais sustentável, reduzindo a pressão sobre a floresta em pé, sobre as reservas indígenas e unidades de conservação. Vamos sair desse debate polarizado que não interessa a ninguém e construir juntos uma solução intersetorial e multisetorial para a Amazônia”.

Para Marcos Prado Lima, pró-reitor da UFOPA, o auditório lotado do MPPA mostrou o interesse da sociedade santarena na temática abordada. “Precisamos de alternativas de desenvolvimento sustentável para manter a floresta em pé, ou seja, aliando o desenvolvimento da Amazônia com a preservação do meio ambiente”.

O Secretário Municipal de Agricultura Bruno Costa também defendeu que a discussão da produção rural e da proteção do meio ambiente é fundamental na Amazônia.

Para a dra. Lilian Regina Furtado Prado, do MMPA, esse seminário aberto para o Ministério Público é uma oportunidade para todos visualizarem juntos algumas problemáticas que o avanço do agronegócio tem trazido para a região. “Na Promotoria Agrária recebemos muitas demandas da agricultura familiar, temos um fórum que discute o impacto dos agrotóxicos na floresta e na saúde da população”.

O seminário foi realizado em uma parceria entre o Ministério Público do Pará, o Projeto Saúde e Alegria e a UFOPA. O evento é a semente do “Festival Sintropia na Amazonia – Floresta Viva“, costurado por Edmara Barbosa, que acontecerá em março de 2019 e trará um ciclo de oficinas para pequenos, médios e grandes produtores rurais na região.

Assista também:

Vida em Sintropia:

https://www.youtube.com/watch?v=gSPNRu4ZPvE

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